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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ANGÚSTIA PARA O JANTAR

Maio 31, 2016

J.J. Faria Santos

Germaine Krull by Eli Lotar.jpg                                   Germaine Krull fotografada por Eli Lotar

                                         (Courtesy of Bert Christensen)

 

Diz Maria Filomena Molder que “quanto mais angústia mais regulamentação”. Portanto, definimos um conjunto de regras que funcionam como um panic room virtual e retiramo-nos para esse casulo burocrático. A uniformização dá-nos, simultaneamente, a ilusão da conformidade e a possibilidade da transcendência padronizada, e permite quer a opção pela diluição na grande massa informe quer o tirocínio para o estatuto de primus inter pares. Tudo muito by the book.

 

Celebra-se e estimula-se (aparentemente) o pensamento “fora da caixa”, mas, idealmente, a enunciação de uma ideia “excêntrica” será apenas um estágio para o acesso ao clube dos regulamentados. A persistência na gestação deste género de ideias ou métodos rapidamente daria origem a um atestado de marginalidade. O prevaricador seria excluído do clube dos conformistas vivos. Ideias revolucionárias q.b. Todo o excesso é pecado. A revolução tout court é o inimigo mortal, o reformismo apenas tolerado.

 

No livro de estilo deste clube não existem textos desafiadores, daqueles que Molder diz que entrar neles é como “entrar num descampado. Temos medo, mas continuamos”. Iludidos pela crença na eficácia de uma existência regulada, baqueamos quando confrontados com o carácter indomável do dia-a-dia e recorremos a ansiolíticos e antidepressivos. Quem nos criou a ilusão de que a vida quotidiana é uma festa com sucessivas happy hours? E se a fonte da nossa angústia fosse, não as vicissitudes de uma vida plena, mas a crença infantil no poder miraculoso da nossa vontade e dos nossos planos infalíveis? O plano A falhou? Esqueçam as recriminações e a roleta russa da culpa. Passem ao plano B. E ao C. Esgotem o alfabeto, combinem letras, desafiem as possibilidades.

 

(Citações de Maria Filomena Molder: entrevista ao Expresso - Revista, edição de 28/05/2016)

 

HILLARY(ANTE)

Maio 24, 2016

J.J. Faria Santos

Seria hilariante se não fosse trágico. A absurda hipótese de vermos um Presidente Trump a gerir a “excepcionalidade americana” e a projectar o seu poder a nível global ameaça concretizar-se. Sintoma disto mesmo é, não apenas a sondagem da Fox News que o coloca três pontos à frente de Clinton (embora a da CBS/New York Times o apresente a seis pontos dela), mas sobretudo a forma surpreendente como ele conseguiu atrair figuras do seu partido, e não só, que resistiam a apoiá-lo e até o criticavam acerbamente. Será a estratégia de moderação do conteúdo do discurso suficiente para atenuar a péssima opinião que dele têm mulheres, jovens, negros, asiáticos e hispânicos? Ou estará a contar com o efeito positivo da reunião das tropas no seio do Partido Republicano, e com a impopularidade da sua previsível oponente no eleitorado masculino?

 

Adam Gopnik, num artigo para a New Yorker (The Dangerous Acceptance of Donald Trump), não faz a coisa por menos: “Podemos discutir se lhe devemos chamar fascista ou populista autoritário ou uma piada grotesca transformada num pesadelo engendrado a meias por Philip K. Dick e Tom Wolfe, mas seja qual for o rótulo Trump é um inimigo declarado da ordem constitucional liberal dos Estados Unidos”. Gopnik, que recorda o epíteto de “mentiroso patológico” endereçado a Trump por Ted Cruz, acrescenta que as mentiras dele aparecem em tal quantidade que “antes que uma possa ser refutada chega uma nova para o seu lugar”. Também Jonathan Freedland, num texto publicado no Guardian, descreveu a relação do magnata com a verdade como “indiferente, ocasional e distante”. Mas convicto de que este traço de carácter não é impeditivo do sucesso eleitoral, iniciou a sua peça afirmando taxativamente que “Nesta era da política pós-verdade (post-truth politics), um mentiroso convincente (unhesitating liar) pode ser rei”. Ou Presidente, acrescento.

 

“Os grandes políticos têm-se sempre caracterizado pela consistência das suas convicções centrais, da sua força de carácter na defesa dos seus ideais e pelo autoconhecimento que dá corpo a uma liderança ousada. Hillary tem-se quase sempre batido por boas causas. Contudo, há muitas vezes um desfasamento entre as suas convicções e palavras e as suas acções. É nisso que Hillary desaponta. Mas nada está decidido. Ela ainda tem tempo para provar a sua causa, para realizar aquelas coisas que a tornam especial, e não temê-las ou camuflá-las”, escreveu Carl Bernstein em “Uma Mulher no Poder” (edição portuguesa Casa das Letras). Esperemos que estas palavras de 2007 de Bernstein permaneçam actuais em 2016. Porque repousa sobre os ombros de Hillary a responsabilidade de evitar a eleição de um anti-Obama e manter viva a tradição de uma América aberta ao mundo, respeitadora da diferença e garante intransigente da liberdade.

PODER, (IN)JUSTIÇA E SANÇÕES

Maio 17, 2016

J.J. Faria Santos

JUSTICE.jpg                                                    Fonte: FreeFoto

 

Segundo o Expresso, o Dr. Rebelo de Sousa (como diria o líder da oposição que ganhou as eleições), na sua qualidade de aspersor de afectos e amortecedor de conflitos, “travou um choque entre Governo e Igreja” motivado pela polémica dos contratos de associação. Não, não era ainda a temível ira divina; era apenas uma “posição mais violenta” do cardeal-patriarca. Parece que os colégios católicos representam cerca de um terço dos 3% de estabelecimentos de ensino com aquele género de contratos e, como muito bem sabemos, a hierarquia da Igreja defende com igual determinação a sua liderança espiritual e os seus interesses materiais. Na inauguração da nova sede da Rádio Renascença, no contexto da importância da rádio, D. Manuel Clemente, segundo o Expresso, afirmou que “escutar é muito mais do que ouvir. Implica proximidade e libertar-se de qualquer ambição de omnipotência”. A ironia desta afirmação, que os jornalistas interpretaram como um recado mais ou menos velado sobre os limites do poder, neste caso político (ou seria sobre os limites do diálogo e do consenso?), é que ela pode perfeitamente ser revertida, produzindo um efeito ricochete. “Ambição de omnipotência” é um pecado a que não está imune a própria Igreja Católica.

 

O notável “esclarecimento público” de Fernanda Câncio, publicado pela Visão, demonstra a iniquidade de procedimentos de um órgão de comunicação social (afirmações não sustentadas por factos, títulos enganosos, violações sistemáticas do segredo de justiça, atropelos ao código deontológico, utilização de expedientes processuais para aceder a informação protegida) e a incapacidade de um sistema judicial para cumprir a missão que justifica a sua existência (dissuadir o cometimento de crimes, punir os prevaricadores, aplicar a lei de forma equitativa). Câncio nota a ironia de ter de recorrer à Justiça numa situação em que está a ser atacada com a cumplicidade desta, e insurge-se contra “uma máquina judiciária que permite que o seu poder seja usado por terceiros com intuitos venais e que ao permitir esse uso se contagia dessa venalidade”.

 

A semana passada, Maria Luís Albuquerque enviou uma carta ao vice-presidente da Comissão Europeia pedindo-lhe que Portugal não seja sancionado por não ter atingido um défice inferior a 3%. Passos Coelho terá também intercedido pessoalmente junto de Jean-Claude Juncker. No capítulo das mensagens epistolares, o presidente do Partido Popular Europeu, Manfred Weber, escreveu a Juncker solicitando exactamente o oposto, ou seja, defendendo a aplicação de sanções aos prevaricadores. Em declarações ao Expresso, Weber amenizou o tom, explicando que o seu objectivo era evitar discriminações por parte do comissário europeu para os Assuntos Económicos, mais concretamente evitar que Moscovici aplicasse a flexibilidade do PEC “apenas a alguns países amigos que partilham da mesma cor política”. Por outro lado, a Alemanha atingiu um excedente externo de 30,4 mil milhões de euros, o que constitui uma violação do patamar dos 6%, sujeita a uma sanção correspondente a 0,1% do PIB. Não consta que a Comissão Europeia esteja a ponderar aplicar qualquer penalização. Como declarou, em entrevista ao Público no passado mês de Fevereiro, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros: “É uma desigualdade de tratamento, a ideia, mesmo que infundada, de que há regras diferentes consoante a geografia ou a ideologia dos Governos. Essa ideia seria fatal para a coesão da UE. É preciso contrariá-la”.

 

A GERINGONÇA, O ESPOLIADO E O NOVO MILAGRE DE FÁTIMA

Maio 10, 2016

J.J. Faria Santos

Propagar, espalhar, difundir – eis sinónimos que os dicionários apresentam para o verbo irradiar. E também “expedir raios luminosos”. Passos Coelho, “o primeiro-ministro no exílio”, não chegou ao ponto de equiparar Marcelo Rebelo de Sousa a Kim Jong-un, chamando-lhe “Grande sol do século XXI”, mas sempre foi dizendo que “há uma certa imagem de felicidade que irradia do PR”. Este, na cidade de Roma, contrapôs que “mal fora que o Presidente irradiasse infelicidade, azedume, má disposição com a vida”. Se o relacionamento entre os dois fosse mais distendido, o outrora autoproclamado “o mais africano de todos os candidatos ao Parlamento” poderia ter acompanhado o Presidente a Moçambique, onde nos brindaria com a sua inolvidável voz de tenor num tema (podia ser do Bonga) que servisse de acompanhamento à dança da marrabenta. (“Tenho uma lágrima no canto do olho…”)

 

O espoliado da geringonça declinou estar presente na inauguração do túnel do Marão. E esclareceu que “nunca” inaugurou obras enquanto esteve no Governo. “Nem de estradas, nem de auto-estradas, nem de pontes, nem de coisa nenhuma”, precisou com aquela convicção com que se fazem proclamações supostamente incontestáveis. Acontece que o primeiro-ministro Passos Coelho inaugurou “coisas” tão diversas como uma ponte, uma sede da polícia, um quartel, uma escola superior ou um bloco de rega. E depois de ter saído do Governo, até inaugurou em Lordelo uma escola que já funcionava há três anos. Sejamos compreensivos. Como se sabe, o território da mentira é uma região demarcada geralmente atribuída a outro ex-primeiro-ministro. Deve tratar-se, porventura, de uma severo caso de amnésia. Quanto à ausência do Marão, terá, do ponto de vista dele, sido avisado. Quem sabe o que irradiaria o Costa? Ou o Sócrates?

 

“Os fiéis descreveram um clarão mais intenso do que o sol, que piscava e girava a alta velocidade, quando a Imagem Peregrina deixou a igreja matriz de Ourém”, noticiou o Correio da Manhã. Este novo “milagre do Sol”, descrito por “cerca de uma centena de fiéis”, parece-me um verdadeiro sinal dos tempos. Ainda mais relevante se torna, se a este facto se juntar a afirmação de Luís Montenegro, a propósito das alterações nos contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, de que se trata de um “ataque não assumido” à Igreja Católica. Como se sabe, Fátima está intimamente ligada àquilo que a Congregação para a Doutrina da Fé designa como o “prenúncio dos danos imensos que a Rússia, com a sua defecção da fé cristã e adesão ao totalitarismo comunista, haveria de causar à humanidade.” No Portugal do século XXI, o papel de suporte ao Governo desempenhado pelo PCP, e também pelo Bloco de Esquerda, pode configurar um situação de excepção que justificaria uma nova intervenção, mais evidente e lancinante da Nossa Senhora (depois de nos ter protegido da maré negra do Prestige e da intervenção na sétima avaliação da troika). Teoria mirabolante? Bom, é seguramente mais convincente que a notícia do Inimigo Público que alude a um milagre e à aparição de Marcelo Rebelo de Sousa “escarrapachado numa azinheira a distribuir afectos e a curar os enfermos.”

OSCAR WILDE APLICADO À POLÍTICA PORTUGUESA

Maio 03, 2016

J.J. Faria Santos

Oscar_Wilde_portrait.jpg                                          Fonte: Wikimedia Commons

 

O que António Costa poderia dizer a Passos Coelho:

“Todo aquele que se volta para o próprio passado não merece encarar o futuro.”

 

O que Passos Coelho poderia dizer a António Costa:

“Há coisas que é justo dizer mas que são ditas, por vezes, no momento errado e não acertando com o auditório.”

 

O que Mário Centeno poderia dizer a Jeroen Dijsselbloem:

“Aos olhos de todo aquele que tenha estudado a História, a desobediência é a virtude original do homem. A desobediência permitiu o progresso – a desobediência e a rebelião.”

 

O que Ricardo Salgado poderia dizer ao país:

“São as personalidades e não os princípios que fazem avançar o tempo.”

 

O que Ricardo Salgado poderia dizer aos seus mais próximos:

“É perfeitamente monstruoso apercebermo-nos de que as pessoas dizem coisas nas nossas costas, coisas que são absoluta e completamente verdadeiras.”

 

O que Paulo Portas poderia dizer acerca da política portuguesa:

“Nos tempos que correm pode sobreviver-se a tudo menos à morte, e arranjar tudo excepto uma boa reputação.”

 

O que Passos Coelho poderia dizer ao Presidente da República:

“Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo. A discórdia é ser forçado a estar em harmonia com os outros.”

 

O que um assessor presidencial poderia dizer a Marcelo Rebelo de Sousa:

“Não façais troça dos cabelos pintados e das caras pintadas. Têm um encanto extraordinário – às vezes.”

 

O que Tiago Brandão Rodrigues poderia dizer a Nuno Crato:

“Os exames são, em absoluto, farsas completas. Se um homem for um gentleman, já sabe o suficiente, e se não o for, tudo quanto aprender apenas lhe pode ser prejudicial.”

 

O que Marcelo Rebelo de Sousa poderia dizer em discurso à nação:

“Por falar em acreditar nas coisas, posso acreditar seja no que for, na condição de que se trate duma coisa inacreditável.”

 

(Excertos retirados de “Aforismos” de Oscar Wilde, Contexto Editora.)

 

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