CONTRA A CAMPANHA DO MEDO
Setembro 30, 2015
J.J. Faria Santos
Imagem: blogue Um jeito manso
A onomatopeia amnésica (PàF!) que na sua encarnação governamental cortou salários e pensões, aumentou brutalmente a carga fiscal, fez recuar o PIB mais de uma década, destruiu em termos líquidos mais de 200 000 postos de trabalho, limitou tragicamente o acesso às prestações sociais e aumentou o nível de pobreza e de exclusão social, mesmo assim conseguiu a proeza duvidosa de colocar o défice acima dos 7% em 2014 e aumentar a dívida durante a sua legislatura em mais de 30 000 milhões de euros.
A onomatopeia amnésica propõe-se oferecer estabilidade. Que estabilidade? Só se for a dos cortes nos rendimentos e nos apoios sociais, e a da voracidade da máquina fiscal. Declara o seu horror pelo poder absoluto e promete uma governação ecuménica com os diversos poderes. Mas, meditemos, não tem o passismo-portismo um historial de confronto com o Tribunal Constitucional e com a legalidade?
A onomatopeia amnésica, recordista nacional dos orçamentos rectificativos, diz que pôs as contas em ordem (e que está a pagar a dívida que os outros contraíram, como se não o fizesse emitindo nova dívida que será liquidada pelos Governos futuros), mas o seu primeiro ministro das Finanças demitiu-se porque “o incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013” lhe “minou” a credibilidade.
O líder da onomatopeia amnésica, e primeiro-ministro em exercício, recebe com frequência, pelo menos desde 2010, estudos de opinião que, diz o Público do passado domingo, lhe apontam sistematicamente três problemas: “não honrou as suas promessas eleitorais; as suas intervenções são demasiado ‘mecânicas’, pouco emotivas; e o seu discurso revela a ausência de preocupações sociais”. O genuíno habitante de Massamá já prometeu que é preciso “colocar o combate às desigualdades sociais e económicas no topo da agenda política”. Parece que os estudos de opinião tornaram imperativo o que a social-democracia que ele engavetou não lhe sugeriu.
Elaborando acerca da pergunta de Portas (“Em quem confiam mais, em Maria Luís ou Mário Centeno”), Pedro Santos Guerreiro escreveu no Expresso: “A austeridade destruiu a economia, o que era inevitável, sem trazer condições de prosperidade, o que é inaceitável. Mesmo que aceitemos que não havia alternativa, agora há. Há a de Mário Centeno, cujo mérito é não aceitar a pobreza endémica e propor uma forma de sair dela.” Contra a alternativa, o que propõe a onomatopeia amnésica? A vacuidade e a campanha do medo.
Vem aí o radicalismo! A extrema-esquerda revanchista para amarfanhar o grande capital! Os comunistas a paparem criancinhas ao pequeno-almoço! Jerónimo de Sousa a vice-primeiro-ministro! A bancarrota a galope! Reparem nos apoiantes radicais dos socialistas, D. Januário Torgal Ferreira e Freitas dos Amaral (quem diria? O P’rá Frente Portugal contra o Portugal à Frente!). O medo petrifica e condiciona de tal maneira que até o Ângelo Correia diz que tem “dificuldade em decidir onde votar”.
O medo não é um programa, é um expediente. O medo não mobiliza, paralisa e sabota o futuro. O medo é o recurso dos fracos, a astúcia dos limitados, a substância dos propagandistas. Combater o medo é exercer a cidadania que se afirma em liberdade. Repudiar o medo é celebrar a democracia. “A coragem cresce com a ousadia, o medo com a espera”, escreveu o romano Públio Siro. Com um sonoro golpe certeiro (PàF!), ousemos remover democraticamente do seu posto o pior primeiro-ministro da democracia portuguesa. Derrotemos a teoria do empobrecimento regenerador, a apologia do medo.
Diz Passos Coelho que quem parte “de qualquer porto sem saber para onde ir, vai para onde o vento o leva e pode-o levar mesmo para onde não se quer”. Apetece contrapor, num ambiente saturado de “ironias e cansaços”, com o célebre epílogo de um poema de José Régio: “Não sei para onde vou, / – Sei que não vou por aí !”