OS FACTOS
De acordo com a investigação de José António Cerejo, Pedro Passos Coelho, após ter terminado o seu mandato de deputado em Outubro de 1999 e até Setembro de 2004, exerceu actividade enquanto trabalhador independente, designadamente como consultor da Tecnoforma (onde cobrava cerca de 2500 euros mensais) e colaborador da empresa LDN e da associação URBE, sem contar com o período de tempo mais reduzido em que foi dirigente do Centro Português para a Cooperação. Durante cinco anos não efectuou o pagamento da contribuição para a Segurança Social. O Público reproduz um extracto de valores onde se pode verificar que à data de Março de 2013, entre contribuições e juros de mora, Passos Coelho teria de pagar 7.430,52 €, valor que na actualidade superaria os 8000 €. Passos Coelho, já depois das indagações de José António Cerejo, procedeu ao pagamento de 3.914,74 €.
AS EXPLICAÇÕES E O CONTRADITÓRIO
O primeiro-ministro alega que a Segurança Social nunca o notificou da dívida, pelo que desconhecia a sua existência.
O na altura ex-deputado da nação desconhecia a existência de um regime de segurança social para os trabalhadores independentes, revisto pelo decreto-lei nº 240/96 de 14 de Dezembro? Desconhecia a isenção prevista para os casos de acumulação de actividade por conta própria com o trabalho por conta de outrem prevista no artigo 39º? (Razão pela qual, apesar de ter iniciado actividade como trabalhador independente a 1 de Julho de 1996, não estava sujeito a contribuições devidas pelo trabalhador independente enquanto efectuasse descontos como deputado). Desconhecia o determinado pela alínea a) do nº1 do artigo 47º no sentido de reconhecer a isenção de contribuição durante um ano ao trabalhador que nunca antes exercera uma actividade independente?
Pedro Passos Coelho diz que pagou voluntariamente uma verba ligeiramente inferior a quatro mil euros, apesar de poder invocar a prescrição da dívida, porque pretendia “exercer o direito, que a lei lhe reconhece, de contribuir voluntariamente para a sua carreira contributiva”. Acontece que o Código Contributivo da Segurança Social prevê esta possibilidade, de forma excepcional, desde que o contribuinte comprove o exercício de uma actividade e o pagamento em causa abranja todo o período dessa actividade.
Do extracto estampado no Público, conclui-se que em 2004 a contribuição devida pelo primeiro-ministro era de 92,86 €. Este valor corresponde ao 1º escalão e ao regime obrigatório, isto é, Passos Coelho escolheu (ou a Segurança Social escolheu por ele) efectuar descontos sobre um “ordenado” de 365,60 €, a uma taxa de 25,4%, descartando a possibilidade de ter direito a baixa médica, para o qual teria de optar pelo regime alargado (32% - 116,99 €).
Tendo em conta que no período em causa exerceu vários cargos, é razoável supor que terá auferido rendimentos, por exemplo, entre os 3.656,01 € e os 4.387,20 €, o que tornaria mais lógico, até tendo em conta a futura escolha por “contribuir voluntariamente para a sua carreira contributiva”, que tivesse escolhido o 11º escalão, o que correspondia a uma contribuição de 1.114, 35 €. Mas, para isso, era preciso que ele soubesse que, exceptuando as situações enumeradas no artigo 48º do decreto-lei nº 240/96, existia a obrigatoriedade de contribuir para a Segurança Social…
Solidário, monocórdico, em declarações a pisar o limiar do involuntariamente risível, o inefável ministro Pedro Mota Soares veio afirmar que Passos Coelho fora, tal como 107.000 portugueses, “vítima de erros da administração” da Segurança Social, que não notificou devidamente os faltosos. Receberam cartas simples. Em vez de registadas, presume-se. Como o Estado foi obrigado a presumir que todas se extraviaram.
Tomem nota: argumentos nº 1,2 e 3 para não pagar tributos ao estado: desconhecia a obrigação, ao não ser notificado, fui “vítima de erros da administração” e julgava que era opcional. Podem ser utilizados em sequência ou em simultâneo.
Da última vez que verifiquei, o artigo 6º do Código Civil (que não é um “conto para crianças”) ainda dizia que “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”. Que um alto representante político da nação, com passagem pela assembleia legislativa no currículo, se permita justificar um incumprimento fiscal ou parafiscal com a pura ignorância e a inexistência de notificação da entidade lesada, e que apresente um pagamento (porventura parcial) dessa dívida já prescrita como um acto de responsabilidade cívica e de quase grandeza moral é, no mínimo, perturbador. E liderar pelo exemplo está-lhe definitivamente interdito.
Ele garante que não é perfeito. Já tínhamos notado. Nem lhe presumiríamos esse desumano atributo. Mas há uma significativa diferença entre ser imperfeito e ser esquivo, mistificador, manipulador e inescrupuloso. Acossado, confortado pela assembleia de correligionários, recorreu à estafada tese da cabala e dissimuladamente procurou engrandecer-se por comparação com o seu antecessor, dando como provados indícios que ainda não constituem acusação, quanto mais prova. Nota-se a brecha na impassível frieza, solta-se das suas palavras um odor a desespero.