"Wolf Drinking Water By Moonlight" de John Nieto
(Courtesy of www.bertc.com)
Não possuo conhecimentos de zoologia, muito menos dados de observação empírica, que me permitam confirmar a asserção que Philipp Meyer, por interposto narrador, inscreveu no seu romance O Filho : “(…) os lobos correm com as caudas ere[c]tas e orgulhosas, ao passo que os coiotes as põem entre as pernas, como cães repreendidos.” (Bertrand Editora, tradução de Fernanda Oliveira, página 39). Sei, porém, que, por regra, os lobos caçam em alcateia, raramente de forma isolada.
Um Lobo, António Lobo Antunes, concedeu duas entrevistas (ao Público e ao Expresso), a pretexto, não a propósito, do seu mais recente livro, Caminho Como Uma Casa Em Chamas, dado que, como preveniu a jornalista do diário, só falaria do que lhe viesse à cabeça. As entrevistas foram-se desenrolando entre a meditação íntima (sobre o acto da criação ou os desafios da vida quotidiana – a doença, a morte) e a enunciação do seu cânone literário ( Tolstoi era um génio, Thomas Mann é bom mas chateia-o, Musil é bom mas não gosta, afirmou ao Público).
A Isabel Lucas (Público) confessa que tem “muito pudor” em falar dos seus livros, mas isso não significa que tenha “medo da crítica” porque sabe “o que eles valem” e tem “orgulho” do seu trabalho. A José Mário Silva (Expresso) interroga-se até que ponto não tem andado, na totalidade da sua obra, “a criar uma imensa autobiografia”. Esclarece ainda que, ao escrever, nunca faz planos. E diz: “A imaginação não existe. O que existe é a memória. A maneira como rearranjamos os materiais da memória.”
Acontece que, ao Público, ele disse ter uma memória “terrível” – “Tenho uma memória péssima, lembro-me de tudo.” - , pelo que, enquanto ela não lhe faltar, não terá de recear a falta de inspiração que o deixaria sem saber o que fazer. Desamparado. Porque não gosta de “ir a bares”, nem de “estar com muita gente”. Isto fará dele um lobo solitário?
Quem também deu uma entrevista ao Expresso foi o Presidente da República. “Curta e limitada a dois temas”, como o próprio jornal a definiu. Eram os temas que ele queria “deixar esclarecidos”. Que isto de dar rédea solta aos jornalistas pode dar mau resultado… Sei lá, o Ricardo Costa podia lembrar-se de lhe fazer uma inquirição do género da que fez numa célebre entrevista televisiva a José Sócrates, a qual levou Fernando Madrinha a lamentar que Costa “tenha caído na tentação de fazer de cada diálogo uma zaragata e de acompanhar cada pergunta de uma opinião pessoal que os telespectadores não lhe pediram”.
E o que disse Cavaco Silva? Que é preciso “serenidade” na nossa vida política. Recorreu a terminologia clínica, censurando a esquizofrenia e a histeria políticas. (Estaria ele a pensar, por exemplo, na esquizofrenia paranóide, que é uma forma de psicose caracterizada por manifestações delirantes, em que o paciente pode escutar vozes ou, porventura, imaginar que está a ser espiado?) E frisou a importância do “estabelecimento de compromissos políticos”. Aparentemente salomónico, mandou recados para a oposição (não pode fazer “opções orçamentais que ponham em causa a competitividade da economia portuguesa”, nem afirmar “que não cumpre as obrigações internacionais”) e para a situação (as negociações para a formação de coligações governativas devem ser detalhadas para não levarem “os conflitos e as lutas partidárias para dentro do Governo”).
Já a propósito da não antecipação das eleições legislativa, critica “os políticos e articulistas” (mais um a criticar comentadores, pelo menos não os apelidou de preguiçosos…), e defende que “utilizar o instituto da dissolução para alterar a data das eleições seria uma violação do espírito da Constituição”. Apetece perguntar se o PR foi sempre um intransigente defensor dos preceitos constitucionais e, sobretudo, um infalível protector das instituições que os garantem. Um seu apoiante, Pacheco Pereira, acha que não e escreveu no Público, no mesmo exacto dia em que foi editada a entrevista de Cavaco Silva, referindo-se concretamente ao Tribunal Constitucional: “O Presidente permaneceu silencioso perante atitudes inaceitáveis de pressão e mesmo insulto sobre o tribunal, um caso de funcionamento irregular das instituições (…)”.
Longe de mim atrever-me a figurativamente equiparar Cavaco a um coiote. Era preciso ter nascido duas vezes para tal topete. Não sei também se ele rearranja “os materiais da memória”, opção virtuosa na literatura mas censurável na política. Digamos que me parece indesmentível que ele tem estado alinhado, por convicção ou por conveniência (o interesse nacional, única e exclusivamente, claro…), com os jovens lobos da sua alcateia.