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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

NÃO VALES UMA LÁGRIMA

Setembro 24, 2014

J.J. Faria Santos

                              Billie Holiday fotografada por William P. Gottlieb

                                 (Fonte: Library of Congress - Jazz Photos)

 

Quando esta fotografia foi tirada, ela estava a escassos meses de completar 32 anos. Retratada com o seu fiel Mister, e com a gardénia a enfeitar o cabelo, Billie Holiday transmite uma luminosidade que parece querer exorcizar os seus dramas pessoais. A Enciclopédia da Editorial Verbo diz que ela se distinguiu “pela interpretação de canções numa voz ácida e velada, de fraseado sofisticado, imprimindo-lhes uma atmosfera de tristeza”. O que conferia intensidade a essa tristeza era a percepção de que ela era o resultado de uma vida vivida no lado errado da noite, onde o bálsamo para as feridas era o esquecimento. Ela própria confessou: “Estou sempre a regressar, mas nunca ninguém me diz onde é que eu estive”.

O que me agrada em Baby, I Don’t Cry Over You  é que a composição de Morton Krouse permite a Lady Day divergir do tema recorrente da mulher abandonada ou incompreendida, permitindo-lhe uma abordagem mais próxima de um empowerment  feminino. A história narrada pela canção é simples: Jill almoçou sozinha. Esperou que Jack lhe telefonasse. Como ele não o fez, em vez de carpir mágoas tomou um cocktail com o Lee e foi a um espectáculo com o Joe. Pelo meio, esclarece Jack que este género de comportamento não resulta com ela, e que nenhum homem é suficientemente homem para lhe partir o coração. Por fim, deixa um aviso: se ele não aparecer à noite, vai vestir o seu melhor vestido e partir para a farra.

“Listen Jack your sweet Jill / Will be out with some Bill / Maybe I don’t cry over you”, canta ela. E quem a pode censurar? Até a dor de corno tem prazo de validade.

MISCELÂNIA EM FIM DE ESTAÇÃO

Setembro 17, 2014

J.J. Faria Santos

                 "Summer Evening" de Edward Hopper (Courtesy of www.bert.com)

 

A semana passada parece ter sido fatal para os Bentos. O da selecção viu-se dispensado com “muita tranquilidade” como corolário da derrota da selecção portuguesa com a Albânia; o do banco, do Novo Banco, mesmo depois de ter fechado a venda da Tranquilidade ao fundo Apollo, juntou-se ao lote dos líderes brilhantes que se revelam erro de casting. Carlos Costa, por seu lado, tinha em stock um Cunha.

 

Na mesma semana em que António José Seguro nos assegurou que “vivemos um momento muito histórico”, Pedro Passos Coelho respondeu às declarações de Aníbal Cavaco Silva que visavam, como habitualmente, proteger o seu legado histórico. Disse o primeiro-ministro que informou o Presidente de tudo o que sabia, e que pediu a Carlos Costa que se reunisse com Cavaco Silva, tendo este tido ocasião de “colocar todas as questões que entendia pertinentes”. Conclusão: para evitar declarações peremptórias tragicamente erróneas talvez o Presidente devesse ter colocado questões impertinentes.

 

Li no site do Nouvel Observateur  que François Hollande também considera a publicação do livro da ex-companheira Valérie Trierweiler “um acontecimento histórico”, “uma espécie de crime passional em trezentas páginas”. Qual a semelhança entre Trierweiler e Seguro? Ambos se sentem traídos. Mas enquanto a francesa tem o charme das criaturas despeitadas e vingativas que povoavam o film noir da época dourada de Hollywood, ao (ainda) secretário-geral do PS, com uma longa carreira política e uma propensão acentuada para a demagogia, falta frescura para pretender equiparar-se ao Mr. Smith protagonizado por James Stewart no filme de Frank Capra.

 

Chama-se The Bridge, e a Fox exibe a segunda temporada. Vale pela atmosfera, pelo enredo intrincado (alguns dizem com demasiadas ramificações que denunciam hesitação no desenvolvimento da história) e pelos desempenhos dos actores ao serviço de personagens que escapam à unidimensionalidade. Diane Kruger é notável compondo uma Sonya Cross, a detective com síndrome de Asperger, em que se equilibram a fragilidade, a determinação e a ausência de capacidade de empatia, num cenário de espiral de violência. Nos secundários, a actriz alemã Franka Potente brilha ao criar uma Eleanor Nacht simultaneamente sinistra, impiedosa e trágica.

 

Electrónica, rhythm’n’blues, ecos de trip-hop, batidas secas em staccato, vocalizações enigmáticas, tudo a desembocar numa obra acabada harmoniosa. Ideal para escutar em noites de fim de Verão, quentes com um módico de chuva, quando os corpos recusam a dança mas abominam o conforto almofadado dos interiores. Crónicas de amor, desamor e desejo preenchem LP1, o álbum recente da britânica FKA Twigs. “All those years in isolation / helped me want for you”, canta ela em Closer. E mais à frente anuncia: “closer / I’m here to be closer”. Nós também a queremos junto de nós. Dos nossos ouvidos.

A REVOLTA DO PROLETARIADO

Setembro 10, 2014

J.J. Faria Santos

De acordo com o China Labour Bulletin, ocorrem no país mensalmente entre 60 e 70 greves, aproximadamente o triplo das que ocorriam em 2011. A diminuição da população activa e o emergir de uma nova geração mais bem informada acerca das leis laborais contribuíram para o crescimento dos salários no sector privado em quase 14% só no ano passado. Em resposta a reivindicações de melhores salários, melhores condições de trabalho e benefícios adicionais, já há empresas a pagar aos funcionários festas de aniversário e idas ao cinema ou ao karaoke. “O equilíbrio de forças alterou-se”, desabafa o director de uma fábrica.

Há aqui, certamente, um manifesto exagero. Uma leitura mais atenta do artigo da Time onde estes factos são narrados (“Workers’ Revenge”) permite concluir que os trabalhadores que pretendem defender os seus direitos enfrentam pressões dos seus superiores e da polícia local, e arriscam, no mínimo, perder o posto de trabalho. Os sindicatos estão agrupados numa federação sindical estatal que tem um currículo pouco brilhante na defesa dos seus associados, e qualquer iniciativa independente é proibida e reprimida. Como escreve o repórter Michael Schuman: “Ironicamente, o Partido Comunista – supostamente o campeão do proletariado – tem medo que o proletariado da China se transforme numa ameaça política, à semelhança do que sucedeu na Polónia dos anos 1980 com o movimento Solidariedade de Lech Walesa”.

Depois de desfeito o tridente operacional camponeses-proletários-intelectuais que iria criar uma sociedade nova, e adoptadas as reformas económicas sintetizadas na fórmula de Deng Xiaoping “um país, dois sistemas”, eis que, ainda que limitados por diversas condicionantes, os trabalhadores chineses parecem preparados para uma nova revolução.

O REGRESSO DA GUERRA FRIA

Setembro 03, 2014

J.J. Faria Santos

Numa altura em que se evoca o centenário da eclosão da 1ª Grande Guerra, e se rememoram as causas que contribuíram para o rol de mais de oito milhões de mortos e cerca de vinte milhões de feridos, os senhores do mundo parecem de novo entretidos em escaladas retóricas, manobras de rearmamento e violações de soberania, enquanto que uma organização terrorista bem financiada e com assinalável capacidade militar espalha o seu credo jihadista e se dedica a conquistar território.

Agustina Bessa-Luís escreveu que “nas guerras só se conhece uma parcela da realidade. Para uns é uma causa ideológica, para outros uma crise económica, uma vingança que transborda do inconsciente ou uma maneira simplista de discutir verdades”. Qualquer uma destas causas poderá estar por trás do interminável conflito israelo-palestiniano (acerca do qual Karl Vick escreve na Time que “na ausência de objectivos alcançáveis, apenas a exaustão poderá forçar ambas as partes a interromper o hábito da guerra”); ou da guerra por procuração que o Irão e a Arábia Saudita alimentam na Síria, no Líbano ou no Iraque; ou ainda do aumento dos gastos militares no Japão, contemplados no orçamento para 2015, um recorde absoluto de 36,9 mil milhões num contexto de disputas territoriais com a China embebidas numa retórica nacionalista.

Já não bastava o facto do Estado Islâmico se estar, nas palavras de Joe Klein na Time, a ”metastizar e a cometer atrocidades em massa com uma ferocidade espantosa”; tinha que vir Vladimir Putin colocar a cereja no topo do bolo ao invadir ilegalmente a fronteira ucraniana de forma a consolidar o seu impulso de desestabilização de uma nação soberana. Pior: fez regressar a retórica da Guerra Fria. “Estamos a fortalecer o nosso poder de dissuasão nuclear”, disse; “os nossos parceiros têm sempre de perceber que é melhor não se meterem com a Rússia”, acrescentou. Apetece perguntar: e a Rússia? Não tem de perceber que é melhor não se meter com os seus parceiros?

Sucede que talvez o Presidente russo aproveite para exercitar o seu belicismo em nome da recuperação da grandeza da Rússia numa altura em que, porventura ilusoriamente, percepciona uma miríade de fraquezas: de Obama, visto por 54% dos americanos, de acordo com uma sondagem da Pew, como não “suficientemente duro” em política externa e segurança nacional, e da União Europeia, avessa ao incremento de gastos militares, a braços com a ressaca da Grande Recessão e condicionada politicamente pelos interesses comerciais que vários dos países que a integram desenvolveram com a pátria de Putin.

Agustina também escreveu: “a revolução precisa de convicções; a guerra precisa de circunstâncias”. O mundo, acrescentaria eu, também precisa de homens à altura dessas circunstâncias. Que sejam capazes de as desarmar e neutralizar.

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