A IMPOTÊNCIA DE UM POVO PERANTE UM PODER
Janeiro 30, 2014
J.J. Faria Santos
Num discurso proferido em Outubro do ano passado, na Fundação Calouste Gulbenkian, e recentemente transcrito pelo Expresso, o filósofo Jürgen Habermas afirmou que “os imperativos sistémicos que penetram as fronteiras nacionais (hoje, acima de tudo, as do sector bancário global desregulado) são forças sociais e económicas quase naturais que têm de ser domesticadas, sob pena de esvaziamento das democracias existentes”.
Seria de esperar que os efeitos da Grande Recessão que se seguiram à orgia de desregulação financeira conduzissem a um aperto regulatório. Na verdade, nas leis proliferam escapatórias que lhes retiram eficácia, e persistem as instituições too big to fail. A título de exemplo, refira-se que as oito maiores instituições financeiras dos Estados Unidos controlam cerca de 90% do PIB. Na formulação metafórica de Rana Foroohar (Time, edição de 30 de Dezembro): “Os bancos costumavam ser os criados da economia americana. Agora são os seus senhores”. E são estes senhores, e os seus inspiradores, acólitos e executores que estão por detrás das teorias do empobrecimento regenerador.
Impulsionado pelo crescimento anémico da economia (0,2% em cadeia no 3º trimestre de 2013), pela correcção do défice externo, pela queda do desemprego (15,6% no 3º trimestre de 2013), pelo alívio nas taxas de juro da dívida soberana e pelo cumprimento do défice à boleia do perdão fiscal e do incremento de 35,5% na receita do IRS, Pedro Passos Coelho rejubila pelos méritos da austeridade. Mesmo que optemos por ignorar as consequências sociais do “empobrecimento virtuoso”, será avisado crer num aumento sustentado das exportações ou que a procura interna resista aos cortes no rendimento? E não seria prudente meditar na afirmação taxativa de Joseph E. Stiglitz (Expresso, 21.12.2013): “Nunca nenhum país restituiu a prosperidade através da austeridade.”?
Num extraordinário texto editado no Público (Ípsilon – 17.01.2014), Hélia Correia escreveu: “Por que usam a palavra ‘austeridade’? Porque há nela uma certa ressonância de coisa justa, de atitude respeitável. (…) A austeridade é um estádio a que se chega num percurso moral muito esforçado. (…) Se há uma ‘austeridade’ que castiga é porque andámos na dissipação. (…) Na verdade, não há ‘austeridade’ aqui. Há alguém empurrado para a miséria. (…) Não, não nos pedem ‘austeridade’. Eles exigem a pobreza e as suas consequências.”
Que o primeiro-ministro de um país com desequilíbrios financeiros aplique um programa de empobrecimento (mesmo que lhe chame desvalorização interna) como se se tratasse de uma revolução de mentalidades e de um poderoso indutor de regeneração, eis uma audácia que não merece ser recompensada com a fortuna.