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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

2014 - PESSOA REVISITED

Dezembro 31, 2013

J.J. Faria Santos

                                     Imagem - courtesy of www.bertc.com

 

“Merda! Sou lúcido”, deveremos dizer como Álvaro de Campos, quando, procurando perspectivar 2014, sucumbimos ao realismo? Ou, mais ignorantes que pessimistas, diremos simplesmente como Pessoa na véspera da sua morte: “Não sei o que trará o amanhã”? O amanhã é o futuro. E, como escreveu Bernardo Soares, “todo o futuro é uma névoa que nos cerca e amanhã sabe a hoje quando se entrevê”. O mesmo que, um pouco mais adiante, descrente do seu esforço e do seu mérito, desabafa: “a sorte, se quiser, que venha ter comigo”. Mas não nos abandonemos à agonia ou à ansiedade. Soares lembra-nos que “considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas na da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria. Considerar isto em pleno meio dessa angústia é a sabedoria inteira”. Brindemos, pois, ao ano que chega, abocanhando passas, invocando desejos, inventando o futuro. 

 

(Citações extraídas de “Fotobiografias Século XX – Fernando Pessoa” – direcção de Joaquim Vieira – Círculo de Leitores e “Livro do Desassossego” – edição de Richard Zenith – Assírio e Alvim)

10 TEMAS PARA UM NATAL

Dezembro 24, 2013

J.J. Faria Santos

                                  "Christmas in America" de Alphonse Mucha

                                           (Courtesy of www.bertc.com)

 

1. ALL I WANT FOR CHRISTMAS IS YOU (MARIAH CAREY)

 

Uma caixinha de música serve de introdução à habitual explosão interpretativa (e respectivos maneirismos vocais) da cantora. Ela não quer saber de presentes, só quer o objecto da sua afeição. O efeito é exuberante e festivo, como convém à quadra.

 

2. LAST CHRISTMAS (WHAM)

 

O som dos trenós puxados pelas renas embala uma canção que descreve a amargura de uma vítima de um amor ilusório que resiste a resvalar para a desilusão. Este ano, o seu amor será entregue a “alguém especial”. Saberá ele que são “especiais” todos os enamoramentos e que o “segredo” reside em preservar esse estatuto?

 

3. HAVE YOURSELF A MERRY LITTLE CHRISTMAS (LUTHER VANDROSS)

 

Que o nosso coração esteja leve, os problemas distantes, os amigos reunidos, os familiares em comunhão. Estaremos juntos enquanto o destino o permitir. Penduremos uma estrela no ramo mais alto da árvore e celebremos o Natal. Melancólica sem ser tristonha, com um travo ao mesmo tempo retro e futurista.

 

4. WHEN YOU WISH UPON A STAR (LINDA RONSTADT)

 

A voz límpida de Ronstadt acrescenta magia a este conto de fadas em forma de canção.  Quando sussurramos às estrelas os nossos mais íntimos desejos, a realidade só nos pode surpreender com a sua concretização. Suspenda-se a descrença. Nenhum pedido é demasiado extravagante ou está condenado à frustração.

 

5. DRIVING HOME FOR CHRISTMAS (CHRIS REA)

 

Estamos presos no trânsito. Atiramos agastados relances ao relógio. Compensamos a impaciência com olhares para as casas enfeitadas de uma lado e do outro da estrada. E procuramos nas caras dos outros condutores a mesma motivação e a mesma secreta ansiedade para chegar a casa, como membros da mesma Irmandade pouco secreta. O Natal reside no nosso lar. Vamos a caminho.

 

6. AVE MARIA (YO-YO MA E BOBBY MCFERRIN)

 

Já chegámos a casa. Repousados, sorvemos o scat  de McFerrin que introduz e serve de leito sonoro ao virtuosismo de Yo-Yo Ma. Voz e violoncelo. Quem disse que a brevidade não tem substância? São apenas dois minutos e trinta e nove segundos, que se podem ouvir infinitamente, carregando no repeat.

 

7. WINTER WONDERLAND (THE MORMON TABERNACLE CHOIR)

 

No doce remanso da noite de consoada, baixemos o tom da conversa aconchegante (nos intervalos da ingestão deliciosamente desregrada das iguarias), e deixemo-nos encantar pelo coro glorioso que, efabulemos, nos veio cantar à porta. Há uma terra de sonho e um Inverno do nosso contentamento.

 

8. WE WISH YOU A MERRY CHRISTMAS (TANGLEWOOD FESTIVAL CHORUS)

 

Ainda deleitados com a experiência, somos presenteados com nova surpresa. Desta vez, o coro estende os votos de felicidade ao novo ano, com convicção e vivacidade. Acreditemos. A dúvida tem muito tempo para chegar…

 

9. LES CLOCHES DU HAMEAU (CELINE DION)

 

E se, extasiados e inspirados pelos coros, decidíssemos, arrojadamente, reunir a família e cantar? Foi o que fez Celine Dion, arregimentando a família para cantar com ela esta composição de Johannes Brahms. O resultado é surpreendentemente equilibrado, ternurento e irresistível.

 

10. AULD LANG SYNE (PINK MARTINI)

 

O Natal ainda perdura, mas já cheira a réveillon. Os Pink Martini pegaram na melodia tradicional escocesa, que fala de pessoas separadas pelas circunstâncias que preservam a confiança no reencontro, juntaram-lhe o Pacific Youth Choir e os Lions of Batucada e, com a secção rítmica a comandar, uniram no mesmo tema o Natal e o Carnaval. Solenidade e euforia, alegria e folia. Festas. Boas Festas.

 

O MEDO E A SOMBRA

Dezembro 19, 2013

J.J. Faria Santos

It’s Christmas time, there’s no need to be afraid / At Christmas time, we let in light and we banish shade, canta-se no início de Do They Know It’s Christmas, tema celebrizado pela Band Aid. Seremos capazes de nos abstrairmos da dimensão fantasmagórica das sombras, ou estaremos condenados a partilhar o leito com uma companhia que nos tolhe  (Quem dorme à noite comigo / é meu segredo (…) O medo mora comigo / mas só o medo, revelou-nos Amália).E o que será que nos assusta tanto? Provavelmente, a possibilidade de perdermos tudo aquilo que valorizamos. Por pouco que seja. Aguentamos uma estocada aqui, um safanão acolá. Mas uma derrocada global, um falhanço descomunal, deixa-nos à beira do precipício. Ainda para mais numa sociedade que nos impinge a felicidade em néons.

José Tolentino Mendonça (Expresso – Revista – 14/12/2013) diz-nos que “preferimos atirar a felicidade para o plano do acaso ou das superstições, como se ela dissesse respeito à matemática caprichosa do destino” e que temos de aceitar “que a felicidade supõe uma aprendizagem”. (Posso ser o porta-voz dos comodistas e lamentar que esta competência humana não seja inata? Admito, porém, que o processo de aprendizagem contribua decisivamente para a ventura. Para a alcançar, é preciso procurá-la, com método ou com afinco. Sigamos, então, os americanos, esse povo empreendedor e optimista, que até inscreveu na Constituição a busca da felicidade.)

Almejar a felicidade enquanto estado permanente, constante, sempre me pareceu um excesso de ambição ou uma cedência ao irrealismo. Em sentido contrário, sucumbir ao pessimismo de uma existência vivida como um vale de lágrimas, é um sinal de desistência que deve ser vivamente desencorajado e revertido. Se virmos atentamente, multiplicam-se quotidianamente os sinais da nossa relevância na arquitectura dos nossos pequenos mundos. Podem, esses sinais, não nos conduzir ao júbilo, ou ao êxtase, mas o testemunho de que somos uma peça numa engrenagem que não nos ignora, nem desvaloriza, reafirma a pujança da nossa individualidade num colectivo que nos acolhe.

Deixemos, então, o medo na sombra. Ousemos transformá-lo na prudência que acompanha a coragem. A coragem de não desistir.

 

A EXCEPCIONALIDADE DO BEM

Dezembro 12, 2013

J.J. Faria Santos

                             O jovem Mandela (Fonte: Wikimedia Commons)

 

É de grandeza que se trata. E de bondade. Não de perfeição. Porque nada é mais estranho à natureza humana que a perfeição, e nada define melhor o percurso político de Mandela que o seu sentido de humanidade.

Para quem teve de ponderar a escolha entre a injustiça e a violência, e suportou a perseguição e o encarceramento, é notável a forma como prescindiu do ressentimento e percebeu a inutilidade da vingança (para além da satisfação dos nossos instintos mais básicos de represália), compreendendo as virtudes da negociação e da persuasão. E esta é a diferença entre um activista que resiste ao compromisso e à reconciliação em nome de um inquestionável imperativo moral e um estadista que não desconhece o efeito quase sobrenatural do perdão oferecido pelo injustiçado ao seu algoz.

Esta fotografia captada na sua juventude é, de certa maneira, emblemática da forma como delineou o seu percurso político. Poderia ter escolhido fixar a objectiva, olhos nos olhos, em solidariedade com os anseios do seu povo ou desafiador perante os adversários. Em vez disso, optou por abarcar o horizonte, sopesar o futuro. E ao escolher liderar pelo exemplo, o seu futuro terá, na memória dos povos, a extensão da eternidade.

 

A ANDRÓIDE, A PORCELANA E A TEMPESTADE

Dezembro 05, 2013

J.J. Faria Santos

Os motivos de inspiração vão da “ideia de Ennio Morricone a jogar cartas com Duke Ellington” até à “cena do Jeep no filme Carmen Jones”, passando por Stevie Wonder e Michael Jackson. Os temas foram-lhe entregues pelo seu alter-ego, Cindi Mayweather, uma heroína andróide. Para a concretização do projecto, Janelle Monáe requisitou as colaborações vocais de Prince, Erykah Badu, Esperanza Spalding, Miguel e Solange.

The Electric Lady  tem uma sonoridade cinematográfica, oscilando entre a mensagem de empowerment  dos chick flicks  e os arrebatamentos amorosos da comédia romântica com uma pitada do visionarismo da ficção científica. Em Ghetto Woman, prega-se as virtudes da persistência e da resistência (“Hold on to your dreams”), e em We Were Rock & Roll evocam-se tempos de ilusão e crença em que “tínhamos vinte e um anos e julgávamos ser donos do sol”. Para além de ter criado uma sonoridade original, Janelle Monáe tem elasticidade vocal e um timbre bastante agradável, sendo extremamente competente nas notas mais altas, sem cair na estridência ou na acrobacia (o que é particularmente verificável no tema Victory . The Electric Lady  é um notável exemplo do que de melhor se faz no âmbito da música negra contemporânea ( do r’n’b à balada soul ), aquela que se banha no classicismo para desbravar novos rumos.

 

Eles já tinham a porcelana (China Forbes). Agora adicionaram a tempestade (Storm Large). A nova aquisição do colectivo Pink Martini interpreta no mais recente álbum do grupo uma surpreendente versão do clássico Quizás, quizás, quizás. Storm, uma ex-roqueira, em vez de emular o ritmo sincopado da fúria latina (ou o desespero lacrimoso da mulher despeitada) entrega-se a uma recriação com souplesse, contida e langorosa. Com igual competência, atirou-se a uma versão mais convencional de Sway , bem como a uma melodia tradicional romena. Por seu lado, China Forbes brinda-nos com duetos com Rufus Wainwright e Philippe Katerine, para além de recuperar um clássico de Irving Berlin. O CD encerra com a participação especial da veterana Phyllis Diller, interpretando um tema de Charlie Chaplin: Smile. A ausência de frescura é largamente compensada pela maturidade e intensidade interpretativas.

Fazendo jus ao espírito universalista da banda, para além das línguas inglesa e romena, em Get Happy  canta-se também em francês, espanhol, alemão, japonês, chinês, turco e farsi. O fundador e pianista Thomas Lauderdale, citado pela jornalista Helen Brown no The Telegraph, explica que os Pink Martini sendo fundamentalmente uma banda americana representam uma “América mais inclusiva”.

 

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