A CARNE É FRACA (LIÇÕES DO ECLESIÁSTICO)
Fevereiro 28, 2013
J.J. Faria Santos
A semana passada decorreu sob o signo da carne. Da carne de cavalo, promiscuamente enrolada em carne picada de outras origens num bacanal comercialmente fraudulento. E da carne humana de quem, por mais próximo que esteja do Divino, terá sucumbido às humanas tentações. D. Carlos Azevedo diz que tem um “jeito de ser caloroso, afectivo” que poderá originar equívocos. Sabemos bem que o desequilíbrio na balança dos afectos, na sua natureza e na sua intensidade, no grau de empenho aplicado e no nível de dependência gerado, pode ser um factor de atrito.
D. Carlos é agora um prelado condicionado (“Feliz aquele que está a coberto da língua perversa, que não passou pela sua ira, que não atraiu sobre si o seu jugo, e que não foi atado pelas suas cadeias;” – Eclesiástico 28,19). Surpreende, por outro lado, a presteza e a leveza com que um padre e um bispo deram testemunho público de rumores e convicções próprias ou alheias sobre a vida íntima do delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, do Vaticano (“Não repitas jamais um boato, e não serás prejudicado.”- Ecli. 19,7). O que talvez indiciasse que, no seio de instituições religiosas, a familiaridade com o pecado gera um sistema de vasos comunicantes com o comércio do poder. Entretanto, já houve quem fizesse um mea culpa. Sejamos benévolos, o clero não está imune à incontinência verbal.
Ao abrigo do direito canónico, D. Carlos teria alegadamente protagonizado um comportamento de “solicitação ao pecado” ( belo eufemismo, quase casto, porém, perversamente atraente na sua delicada discrição). O delito, a ter ocorrido na década de oitenta, já terá prescrito. Mas também poderão ter ocorrido situações análogas em tempos mais recentes. É caso para nos interrogarmos acerca das motivações do denunciante, visto que seria de esperar de servos do Senhor perdão ou misericórdia (“Um homem guarda rancor contra outro homem, e pede a Deus que o cure? Não tem compaixão do seu semelhante e roga o perdão dos seus pecados?” – Ecli., 28, 3 e 4).
Parece que os assuntos do sagrado estão contaminados pela carne. Parece que há um lobby gay no Vaticano. Parece que membros da Igreja Católica congregados em “estruturas de pecado” mantêm com leigos relações de “natureza mundana”, em quartos no Vaticano, num centro estético e numa sauna, entre outros lugares. A solicitação ao pecado, para alguns, vence a, por certo, sincera prece “Não nos deixeis cair em tentação” (“Para o fornicador todo o pão é doce, e não se cansará de pecar até á morte” – Ecli.23,17).
Tudo isto é, evidentemente, censurável. A regra do celibato e da castidade é uma condição sine qua non para o exercício do estado clerical, reconhecida e aceite pelo candidato à ordenação. Não há espaço na Igreja Católica para a rebeldia, embora talvez haja, infelizmente, para a hipocrisia dos comportamentos transgressores cobertos pelo manto das cumplicidades mudas.
Pode o pecado ser virtuoso? Pode. Na carne, a presença de sulfitos, apesar de em elevada quantidade representar perigo para a saúde, funciona como inibidora de microorganismos. Na Igreja Católica, a persistência do pecado, de toda e qualquer forma de pecado, serve de lembrança da irredutível natureza humana do rebanho. Algo que alguns pastores parecem, por vezes, ignorar, do alto da sua implacável e imaculada sapiência.