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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A IRONIA FICA-LHE MAL

Novembro 29, 2012

J.J. Faria Santos

O tom foi o do costume: solene, monocórdico, insípido, rígido. O conteúdo afastou-se, surpreendentemente é certo, da catilinária de pitonisa (eu tinha alertado…eu já tinha previsto, no meu discurso de  x  usei a expressão y  para alertar para..., etc). Também não se vislumbrou sombra dos banais apelos ao fim “das querelas inúteis” ou pouco subtis alusões à suprema discrição da sua “magistratura de influência”. Desta vez, Cavaco Silva, na entrega dos prémios Gazeta, quis casar o humor com a ironia e inaugurar a stand-up presidency. Para a coisa resultar, faltou-lhe leveza, desprendimento, sentido lúdico. Pior ainda: o texto pareceu um ajuste de contas com os que criticaram os seus silêncios ou a sua aparente inacção. A retaliação é um péssimo pretexto para o humor.

O ponto da situação é este: quando se cinge ao seu registo habitual, Cavaco é opaco e insuficiente; quando pretende inovar, torna-se artificial e desajustado. Enclausurado no seu palácio, rodeado de cortesãos aduladores, manietado pelas suas certezas, espicaçado pelos seus ressentimentos, condicionado pelo seu cadastro político, caminha, ao que parece inexoravelmente, para a irrelevância e para a inutilidade. Um presidente que vê em cada opinião um agravo inadmissível, em cada discordância uma afronta e em cada apelo uma pressão ilegítima só pode esperar, creio eu (sem ponta de ironia), um recorde de dislikes  no mundo virtual e na vida real.

TRUMAN SHOW

Novembro 22, 2012

J.J. Faria Santos

Ele tinha acesso ao mundo restrito da aristocracia social dos ricos e poderosos. Uns celebravam o seu talento, outros toleravam as suas excentricidades por causa da sua inultrapassável capacidade de lisonja, outras ainda concediam em tornar-se suas musas, numa relação simbiótica em que Truman Capote acedia ao Olimpo da elite e elas se deixavam envolver pela mistura irrecusável de talento, entretenimento e sedução que ele lhes fornecia.

“Descobri que o que me faz melhor é apanhar um táxi e ir até ao Tiffany’s. Fico logo mais calma com a serenidade e o ar digno que aquilo tem. Não há nada de realmente terrível que nos possa acontecer ali, com aqueles homens de fato janotas, e o cheiro fantástico da prata e das carteiras de crocodilo”, desabafa Holly Golightly em Boneca de Luxo (Editorial Notícias/Público). Não é despiciendo evidenciar as semelhanças entre o percurso da personagem  que Audrey Hepburn viria a  imortalizar e  a busca de  fama e realização pessoal do autor, cujo impacto na literatura contemporânea teria o seu ponto alto com o seu romance-reportagem A Sangue Frio.

Capote acabaria por sucumbir perante as armadilhas da sua ambição, simbolizada pelo seu desiderato de emular Proust. Como escreveu Sam Kashner (Vanity Fair, Dezembro 2012), “expor os segredos dos ricos e poderosos de Manhattan era nada menos que suicídio social”. A nata da sociedade nova-iorquina jamais lhe poderia perdoar a quebra do pacto de confiança e discrição. Vampirizar a vida dos ricos e famosos, criando figuras e recriando episódios onde o véu da ficção era tão translúcido que deixava adivinhar a cruel realidade, acabaria ele por confessar, era inevitável. “O que é que eles esperavam? Sou um escritor, e uso tudo. Aquela gente toda achava que eu estava ali para os entreter?”.

O pecado capital de Truman Capote foi ter-lhes bloqueado a rota de fuga: a impunidade que os afluentes julgam ser uma sua prerrogativa, como se pudessem eximir-se a pagar o preço das suas escolhas. Do seu “harém” de socialites, Babe Paley deixou de lhe falar, Gloria Vanderbilt ameçou cuspir-lhe na cara e Ann Woodward ter-se-á suicidado. Danos colaterais da prosa verrinosa de quem afirmou que toda a literatura é composta por mexericos (“All literature is gossip” ), e cujo arrojo literário deixou as rainhas do jet-set, protagonistas de uma faustosa vida (ir)real, vulneráveis perante o poder da ficção. De uma ficção que lhes mostrou um espelho, onde viram reflectidas, enquanto formulavam o clássico “Espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”, os esgares assombrosos de um Dorian Gray no feminino.

BREVE PERFIL NA PENUMBRA VI - O BANQUEIRO INCENDIÁRIO

Novembro 15, 2012

J.J. Faria Santos

       "Economic Pressure" de Séan Keating (courtesy of www.bertc.com)

 

Tem o perfil do financeiro desempoeirado e incisivo, que desdenha, ou pelo menos não partilha, do recurso à suave persuasão da autoridade que a velha nobreza da banca advoga. Reincide com garbo em afirmações onde o desassombro discursivo se casa com a violência de presunções assumidas como indiscutíveis, num activismo público na fronteira do descaramento ou da inconsciência. Que escolha a sobreexposição estando profissionalmente ligado a uma actividade notória pela preferência ostensiva pelo sigilo operacional e pelo secretismo enquanto táctica, revela ou um ímpeto interventivo induzido por um imperativo de consciência, ou um apetite pelo protagonismo estrondoso. Se Portugal é um dos doentes da Europa, o nosso banqueiro incendiário é um investigador empolgado num ensaio clínico, pronto a saltar etapas, ignorar protocolos clínicos, recusar submeter a análise dos dados aos seus pares, porque sabe, de ciência certa, que o paciente, estando a ser tratado com o princípio activo adequado, aguentará até a sobredosagem.

OBAMA E A ARTE DO POSSÍVEL

Novembro 08, 2012

J.J. Faria Santos

Poucas semanas depois da eleição de Barack Obama, Fareed Zakaria escrevia na edição Issues 2009  da  Newsweek que o problema fundamental que continuaria a originar o desencadear de mais crises residia no facto da “actividade económica e social ser global, enquanto que o poder político é local”. Em consequência, defendia ele, os problemas galgavam as fronteiras, mas as soluções emperravam na ciosa preservação da soberania que os diversos governos privilegiavam. Zakaria previa o regresso da regulação, e evitava a armadilha de ter de optar entre os governos e os mercados. “A questão é como balancear os dois de forma a conseguir o crescimento, a inovação, a estabilidade e a equidade social”, escreveu. Não obstante, Zakaria professava a sua crença no fim da crise financeira, fundamentalmente por confiar na acção decisiva dos esforços combinados dos diversos governos. A justificação, no entender dele, residia no facto dos governos serem “mais poderosos que os mercados”. Ora aqui está uma asserção arrojada face ao que sabemos hoje, tendo em conta a percepção que por vezes temos que os governos de alguns países parecem estar reféns dos humores dos mercados. Porém, se observarmos a linha da raciocínio de Zakaria, apercebemo-nos que a falha poderá estar na divisão política que mina a possibilidade dos esforços concertados das diversas nações.

Como a América é um estado federal, ainda para mais com aquilo que o jornalista chama de “poder único de imprimir dinheiro”, foi possível a Obama, beneficiando da acção da Reserva Federal, apostar na definição de um programa de relançamento da economia que limitou os danos da crise e que parece ser capaz de colocar os Estados Unidos na pole position da recuperação. Que ele tenha sido capaz de implementar esta política em simultâneo com o reforço da regulamentação dos mercados financeiros, o combate activo ao terrorismo e os avanços na área social, enfrentando um corpo legislativo hostil até ao limite da demência, é um testemunho de que a arte do possível não tem necessariamente de sucumbir ao tacticismo inconsequente e ficar arredada de um patamar de decência.

A reeleição de Barack Obama marca também a condenação por parte dos eleitores daqueles que, na definição dos editores da New Yorker, em artigo em que endossavam o seu apoio ao incumbente, “parecem satisfeitos com um sistema em que um quarto de todos os rendimentos e quarenta por cento de toda a riqueza pertence a um por cento da população”. Romney, acrescentavam eles, “está entre aqueles que encaram o sucesso nos negócios como um sinal indiscutível de virtude moral”. Dois mandatos de Obama, defendem eles, “reforçarão o ideal da boa governança e uma visão social que tempera o individualismo com a preocupação com a comunidade”. No fundo aquilo que, acrescentaria eu, o “conservadorismo compassivo” de George W. Bush nunca foi capaz de alcançar.

 

 

 

 

LITERATI

Novembro 01, 2012

J.J. Faria Santos

Um post de Mark O’Connell no blogue Page-Turner, disponível no site da New Yorker, faz um elogio rasgado a Gonçalo M. Tavares pela originalidade e universalidade do seu mundo ficcional. O blogger  considera que há uma “obscenidade estranha e emocionante” na forma como ele trata “as coisas como se fossem pessoas e as pessoas como se fossem coisas”. O’Connell vê na forma como a ficção do autor observa a humanidade um certo recolhimento, “ uma combinação de distância e precisão”. Escreve ele: “Tavares está interessado na forma como a história, seja através da barbárie ou do seu aparente contrário (o progresso científico), tem reduzido o homem ao estatuto de coisa”. Neste contexto, o blogger  nota a preocupação do escritor com os “mecanismos de controlo político” e com a consequência da acção destes, tornando as pessoas em mais uma peça da engrenagem. Mark O’Connell acha que Gonçalo M. Tavares “tem um dom – como Flann O’Brien, Kafka ou Beckett – para evidenciar de que forma a lógica pode ser uma serva tão fiel à loucura quanto à razão”.

 

Ana Teresa Pereira ganhou o Grande Prémio da APE com o romance O Lago. A deliberação, que não recolheu a unanimidade dos jurados, premeia uma autora que publica com regularidade histórias de mistério e inquietação, povoadas pelas suas obsessões literárias e cinematográficas. Não que seja relevante, mas sempre me pareceu intrigante o facto dos livros dela não treparem nos tops de venda. A qualidade da sua escrita nunca produziu um efeito de exclusão da acessibilidade, pelo que seria de esperar que alguém que constrói os seus livros como se fossem filmes ou peças de teatro lograsse despertar o interesse das massas, com as suas narrativas onde cenas que evocam os clássicos de Hollywood se combinam com paisagens góticas inglesas, a felicidade pode ser intensa mas é sempre precária, e o ameaçador se mistura com o fantástico e o fantasmagórico.

 

A vida é um jogo que queres vencer. É um jogo colectivo em que almejas o estatuto de craque. Propõem-te um esquema de treino e um plano de upgrade físico e psicológico. Mentalizas-te que só a repetição, a disciplina e o sacrifício te conduzirão à superação e, consequentemente, ao triunfo. Segues o mestre com afinco, admiração e, às vezes, contrariedade. Ambição e inquietação são as irmãs gémeas que te acompanham na busca da vitória. Sabes que tens de crescer, sabes que queres crescer, mas, e se falhas? Compreendes que a interrogação rasa a idiotia. A questão não é se falhas, é o que fazes depois de falhar. Que danos colaterais vais provocar quando ensaiares o teu reerguer? Que deves esperar de quem te amparou a queda (ou não) e te incitou a levantar do chão (ou não)? Como e quando estabelecer um compromisso entre a extensão da tua ambição e os limites, evidentes ou intuídos, dos resultados do teu esforço?

A Arte de Viver à Defesa,  promissora estreia literária de Chad Harbach, ensaia a resposta a estas e outras perguntas, sob a forma de um romance que mostra que mesmo com um plano, uma táctica ou uma estratégia, haverá sempre na vida um momento out of the box. Nessa altura, reinará o improviso, fortemente embebido numa dose de inconsciência, que é quase sempre a outra face da coragem.

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