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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

VALSA DE TRANQUILIDADE E TUMULTO

Agosto 31, 2012

J.J. Faria Santos

 Imagem: Freefoto.com

 

Há algo no mar que apela à insurreição. Mesmo quando a maré está baixa, é como se fosse um intervalo, um reagrupar de hostes antes da nova batalha. Mesmo quando extraímos dele doses homeopáticas de serenidade, sabemos no íntimo que ele nos prepara para o confronto. Será que o balouçar calmo das águas nos traz reminiscências da maternal mão que embalava o berço? (E que pensar da semelhança fonética, na língua francesa, entre mer (mar) e mère (mãe) ? E será que a visão da onda encapelada desperta em nós os mais básicos instintos de selecção natural e sobrevivência do mais forte?

 Os poetas, essa estirpe que os utilitaristas abominam e os diletantes incensam, têm uma relação com o mar que vai da simbiose irredutível da portuguesa Sophia (“Quando eu morrer voltarei para buscar / os instantes que não vivi junto ao mar”) ao conflito aberto do espanhol Antonio Machado (“Todo hombre tiene dos / batallas que pelear: / en sueños lucha com Dios / y despierto, con el mar”. O comum dos mortais, hesitante entre o respeito e a temeridade, a observação deleitada e a aventura exploratória, vai-se entregando à valsa de tranquilidade e tumulto das águas salgadas a que o sol confere o brilho rutilante das preciosas pedras sem preço.

A LADY E O MARCHAND

Agosto 26, 2012

J.J. Faria Santos

                                         "Orgia" de Marta Cordeiro

 

Disse Betty Grafstein ao Expresso (Revista, 18/08/2012): “Muitas vezes chegamos ao médico com uma quantidade de desejos de transformação que o Zé quer em mim, mas o médico recusa várias”. Dir-se-á: o que há de tão estranho num transformista em querer transformar? E brincar aos deuses, numa enésima variação da relação criador/criatura, não se adequa à sua propensão para a megalomania? “Por vezes sinto-me como uma espécie de boneca ou marioneta nas mãos dele”, confessa a empresária, admitindo ainda que ele ”não sabe ser discreto e soft. Ele é excessivo”. A Lady surge assim como uma espécie de work in progress do marchand.

Peculiar figura do nosso pífio jet set , José Castelo Branco vaporiza a sua excentricidade com o perfume do escândalo, conjuga a ostentação desbragada com as juras de simplicidade e a ambiguidade do comportamento com declarações definitivas que o tempo se encarrega de desmentir. A sua suposta sofisticação derrapa numa heterodoxa noção de dress code; do mesmo modo, confunde muitas vezes frontalidade com má-criação, falha que nem a propensão para o burlesco redime. Kahlil Gibran escreveu que “um exagero é uma verdade que perdeu a calma”, porém, tal definição não se aplica a Castelo Branco, cujos exageros relevam do mais canhestro artificialismo e derrapam na vulgaridade.

Betty Grafstein diz ainda, na citada revista, que ele é um “perfeccionista” e que é por isso que quer que ela “tenha uma aparência perfeita”. Abstenho-me de tecer considerações acerca dos resultados práticos desse tão louvável desejo, mas não posso deixar de lamentar que esse “perfeccionismo” não tenha tradução nas suas aparições públicas. Afirmações desconexas e incongruentes em entrevistas, uma participação lamentável num reality show  e um poluente tirocínio para a carreira de cantor são contributos, de um rol nem por sombras exaustivo, para um acervo de  insensatez, amadorismo e mau gosto.

FRASES À PROCURA DE AUTOR ( PASSATEMPO DE VERÃO)

Agosto 21, 2012

J.J. Faria Santos

 

 

  1. “O ter muito dinheiro é muito prejudicial, e o ter pouco também, ainda mais.”

 

                a) Groucho Marx           

                b) Agustina Bessa-Luís            

                c) Vítor Gaspar

 

  1. “Tudo quanto toquei me formou e deformou. Como um búzio desejei guardar o mar dentro de mim.”

 

                a) Eduardo Lourenço  

                b) Margarida Rebelo Pinto      

                c) Sophia M. B. Andresen

 

  1. “Mais do que nunca na história, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho conduz ao desespero e ao desânimo. O outro à extinção total. Rezemos para que saibamos fazer a escolha certa.”

 

                a) Medina Carreira      

                b) D.Januário Torgal Ferreira 

                c) Woody Allen

 

  1. “ (…) a sra. D. Manuela Moura Guedes consegue o milagre de uma figura de urso de cada vez que abre a boca: arrogante, mal preparada e muito pouco hábil mete dó.”

 

                a) José Sócrates          

                b) António Lobo Antunes           

                c) Marinho Pinto

 

  1. “ Os banqueiros sentem-se hoje muito desamparados e a banca é um sector muito vulnerável. E quando as coisas correm mal, é preciso solidariedade, quer dos bancos entre si, quer das autoridades.”

 

                a) Bernard Madoff       

                b) António Borges                        

                c) Oliveira e Costa

 

  1.  “ Por que é que são pirosos os escritores portugueses quando escrevem sobre sexo? (…) os personagens e as personagens desses romances têm um grande pudor: não fodem; limitam-se a ser observados por um coleccionador de metáforas ou um manobrador do Dicionário de Sinónimos dos Fenianos do Porto.”

                a) Mário Cláudio           

                b)José Rodrigues dos Santos               

                c)Francisco José Viegas

 

  1. “ Recomendar aos pobres que sejam poupados é simultaneamente grotesco e insultuoso. É o mesmo que dar conselhos a um homem que morre de fome, para que coma menos.”

 

                a) Oscar Wilde              

                b) Frei Bento Domingues         

                c) Francisco Louçã 

 

  1. “Creio que estamos de acordo, o passado já terminou”

 

                a) Lili Caneças               

                b) George W. Bush                       

                c) Miguel Relvas

 

  1. “Por mim, procurei mais a liberdade que o poder, e o poder somente porque, em parte, favorecia a liberdade.”

 

                a) Mário Soares            

                b) Indira Gandhi                           

                c) Marguerite Yourcenar

 

  1. “ O homem de inteligência superior não tem, é certo, melhores elementos para descobrir a verdade do que o mais fechado dos idiotas. O que tem é melhores elementos para compreender por que é que ela se não pode descobrir.”

 

                a) Pinto Monteiro         

                b) Fernando Pessoa                   

                c) René Descartes

 

 

SOLUÇÕES:

 

1 – b) in “Visão”, 18/07/2002   §  2 – a) in “Pública”, 25/03/2003  §   3 – c) in “Expresso”, 5/02/2000  §  4 – b) in “Pública”, 1/09/1996  §   5 - b) in “Público”, 15/07/2012  §  6 – c) in “Algumas Distracções”, Edições Quasi  §  7 – a) in “Aforismos”, Contexto Editora  §  8 – b) in “Broncas de Bush”, Edições Minerva Coimbra  §  9 – c) in “Memórias de Adriano”, Editora Ulisseia  §  10 – b) in “A procura da verdade oculta”, Europa-América

                       

PINK MARTINI (ON THE ROCKS AND BY THE SEA)

Agosto 15, 2012

J.J. Faria Santos

Originários de Portland, Oregon, eles editaram, desde 1998, cerca de meia dúzia de discos, cantados em diversas línguas ( inglês, francês, italiano, espanhol, português, japonês, grego, árabe…). Com a sua peculiar mistura de jazz, easy listening, chanson, cabaret, tango, samba, ritmos latinos e citações clássicas (Chopin, Schubert, Tchaikovsky), os Pink Martini , graças a este melting pot  sonoro, construíram uma peculiar fórmula de world music.

Os temas recriados são revivificados sem perderem a sua qualidade vintage (já reinterpretaram “Tea for Two”, “Qué Sera Sera” e “Amado Mio”, uma das canções que Rita Hayworth cantava no lendário Gilda ), e os originais deixam um travo a clássico. Abordaram com igual competência a euforia dançante de Ary Barroso e Carmen Miranda e o existencialismo dramático de Chavela Vargas (recentemente falecida e que gravou a 15 de Junho de 2009 uma versão de “Piensa en Mí” para o quarto álbum da banda). Sem receio de arriscar, no CD com músicas de Natal colocaram a vocalista China Forbes a interpretar uma melodia tradicional escocesa (“Auld Lang Syne”) em inglês, francês e árabe, e juntaram-lhe uma espécie de escola de samba, orquestrando uma fusão improvável do Natal com o Carnaval. O último trabalho, editado no ano passado, é uma colaboração com a cantora nipónica Saori Yuki, integralmente cantado na língua japonesa ( inclui uma versão do clássico de Sérgio Mendes “Mas que Nada”).

“Sympathique”, tema-título do trabalho de estreia, é , ainda hoje, o cartão de visita: uma sonoridade retro, abrindo com China Forbes a dialogar com o piano, a enquadrar a exposição de uma desilusão amorosa com a referência a um quarto a ser invadido pelos raios de sol e a postular uma ética de ócio ao serviço do esquecimento ( “Je ne veux pas travailler / Je ne veux pas déjeuner / je veux seulement oublier / et puis je fume”). Ao luar de Agosto, o tema adquire o tom de um manifesto de férias.

 

 

PINK MARTINI para as manhãs de acordar tardio

 

  •       SYMPATHIQUE
  •       EVERYWHERE
  •       SPLENDOR IN THE GRASS

 

PINK MARTINI para os fins de tarde à beira-mar

 

  •        QUÉ SERA SERA
  •        TEMPO PERDIDO
  •        CITY OF NIGHT

 

PINK MARTINI para as noites cálidas

 

  •        AMADO MIO
  •        UNA NOTTE A NAPOLI
  •        BRAZIL

 

PINK MARTINI para as madrugadas exangues

 

  •       TEA FOR TWO
  •       PIENSA EN MÍ
  •       ASPETTAMI

 

 

A AMÉRICA POR GORE VIDAL (1925-2012)

Agosto 09, 2012

J.J. Faria Santos

IMAGEM: Freefoto.com

 

“Não basta chegar ao Senado e fazer discursos brilhantes para fazer passar as leis. Toda a gente é comprada antes de lá chegar…”

 

“Temos um Governo representativo, mas temos, sobretudo, as oligarquias, que governam o país. Mas os cidadãos não estão verdadeiramente representados no Congresso.”

                                              

                               (Público, 6/06/1998)

 

“Atacamos a nosso bel-prazer, em qualquer continente. Ignoramos os organismos internacionais. Damos ordens à ONU, mas não lhe pagamos o que lhe devemos. Pior ainda, temos uma economia militarizada desde 1950, graças a Truman e ao seu secretário de Estado, Dean Acheson. Gastámos, desde 1949, mais de 7 triliões de dólares em guerras, normalmente contra um inimigo inexistente. Estamos prestes a aumentar o orçamento militar, enquanto o nosso sistema público de educação se encontra em farrapos e não temos aquilo que qualquer país rico tem: um serviço de saúde em troca dos impostos pagos pela população.”

“Se me perguntar se eu aprovo que 1% da população americana seja dona de quase toda a riqueza, que 19% estejam a dar-se bem porque trabalham para os proprietários e que 80% se encontrem numa situação ruim, é claro que a minha visão é negativa”

 

                                               (Visão, 2/11/2000)

 

“O império global americano repousa num certo número de ousadas mentiras presidenciais que os nossos historiadores da corte raramente ousam questionar.”

 

                                               (Livros, Fevereiro/2001)

 

A OBSTINADA NEBLINA E O ALVO COLORIDO

Agosto 02, 2012

J.J. Faria Santos

O sul-coreano Im Dong Hyun bateu o recorde do mundo no tiro ao arco nos Jogos Olímpicos de Londres, averbando um total de 699 pontos com 72 flechas. Acontece que o atleta é considerado clinicamente cego por ter apenas 10% de visão.

Jorge Luís Borges escreveu no seu poema On his blindness : “Ao cabo dos anos o que me rodeia / é uma obstinada neblina luminosa / que reduz as coisas a uma coisa / sem forma nem cor. Quase a uma ideia.” Já Dong Hyun é capaz de distinguir as cores num alvo a 70 metros de distância, e isso faz toda a diferença. Estamos habituados a celebrar a excelência baseada na superação dos limites individuais, tendo como pressuposto adquirido condições semelhantes de disputa. Que alguém tenha partido de uma tão aparente abissal desvantagem para atingir o cume da performance numa modalidade é um testemunho irrefutável das potencialidades do engenho humano.

Borges concluiu o trecho mencionado, desabafando: “Aos outros cabe-lhes o universo; / a mim, penumbra, o hábito do verso” (in Os Conjurados – Difel). Dong Hyun parte da penumbra e distingue no alvo uma espécie de arco-íris que alberga a recompensa dos vencedores.

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