UM ADEUS RENITENTE
Julho 27, 2012
J.J. Faria Santos
O cenário era uma estação de caminho-de-ferro. Ele recusara-se a beijá-la antes do comboio a transportar para longe. Por alturas de Dezembro de 1920, correspondiam-se quase diariamente, e ele fez questão de dissipar dúvidas e explicar o seu comportamento. Na carta que lhe enviou, datada do dia 23 de Dezembro, escreveu: “I didn’t want to kiss you goodbye – that was the trouble – I wanted to kiss you good night – and there’s a lot of difference. ‘couldn’t bear the thought of you going away when you were so very dear and necessary and all pervading”.
Há nestas palavras o rasto de uma paixão avassaladora que funde o enamoramento com a necessidade e a omnipresença. Menos de nove meses depois, casariam. Para ele, seria apenas o primeiro de quatro enlaces matrimoniais e terminaria em 1927. Um ano antes, saíra o seu romance de estreia e dois anos depois publicaria Um Adeus às Armas.
Nesta carta para Hadley Richardson, Ernest Hemingway expõe a intransigência (ou a integridade) de um sentimento que não tolera a ausência e que se abstém de a legitimar com a marca de um ritual. A força das circunstâncias poderá ter ditado a separação, mas ele recusara-se a ceder ao conformismo (da aceitação do inevitável, seria?) e a agir em conformidade (a demonstração de afecto na despedida como se caucionasse a interrupção do idílio amoroso). Parece radicalismo imaturo ou birra insolente, todavia, como não descobrir nesta opção quase ofensiva a grandeza de quem não admite procrastinar o que é vital?
Quando se divorciaram, ela queimou a maior parte das cartas dele. A memória dos beijos de boas-noites transformou-se num penoso beijo de despedida. O amor deles, parafraseando Vinicius, foi eterno enquanto durou.