PORTUGAL NA LAPELA
Junho 29, 2012
J.J. Faria Santos
Dois estudos de opinião divulgados este mês coincidem na avaliação do desempenho do Governo. 67% dos sondados classificam-no como mau ou muito mau e 25% bom ou muito bom, na sondagem da Universidade Católica, enquanto que para 51,3% dos inquiridos pela Eurosondagem a actuação do executivo é má, muito má ou insuficiente, sendo que para 38% deles o executivo tem tido uma performance muito boa, boa ou razoável. Poderia ser de outra maneira numa economia estrangulada pela escassez de crédito, com o país manietado pelas condições exigidas pelos nossos credores e com a Europa suspensa das hesitações germânicas, arriscando a desagregação europeia para não correr o risco moral de beneficiar os infractores ou premiar a reincidência? Talvez não. E, no entanto, não deixa de ser surpreendente que apenas 30% dos inquiridos na sondagem da Católica considerem que este Governo está a governar melhor que o anterior, ascendendo a 24% os que consideram que está a governar pior.
O primeiro-ministro pode achar que “os portugueses já não estão perante o abismo”, mas com uma recessão a rondar os 3%, o desemprego a superar os 15% (um desvio superior a 20% face às estimativas iniciais: será colossal?), a dívida pública nos 114,4% e o défice a ameaçar derrapar entre 0,8 e 1,2% do PIB (aproximadamente dois mil milhões de euros será um desvio colossal?) que terá Passos Coelho para mostrar no final do ano a quem o elegeu? As validações trimestrais da troika, a redução significativa do défice externo e aquilo que ele chama de mudança económica “mais importante dos últimos 50 anos”?
Passos Coelho deveria concentrar o esforço da sua equipa em três vectores fundamentais: sustentabilidade das finanças públicas, qualificação da mão-de-obra e preservação do Estado social. Que o possa fazer através do filtro do seu liberalismo à la carte, destravado aqui, intervencionista acolá, compassivo q.b. para não cair em pieguices, caritativo para não promover a preguiça, demonstra que uma forte convicção se pode transformar em teimosia e deformar a realidade.
O enunciado de grandes ambições não tolera a escassez da realização. O futuro encarregar-se-á de desmentir a dimensão e a profundidade das resmas de reformas de que o Governo se vangloria, assim como demonstrará a falácia que constitui a ideia de que a “flexibilização” da legislação laboral promoverá a criação de emprego.
Com Portugal na lapela e a cartilha de Friedman como livro de cabeceira, o primeiro-ministro desdobra-se em intervenções. O seu tom, aparentemente apaziguador, está longe da agressividade desafiante do anterior chefe do governo. Mas não nos iludamos. Cada vez mais, nas suas prelecções pretensamente didácticas, espreita a impaciência do homem que se acha numa missão tão decisiva e absorvente que qualquer objecção lhe parece mesquinha e incompreensível. Definiu uma trajectória e nenhuma dúvida o fará hesitar. Salvar Portugal, pensará ele, não será possível sem danos colaterais. Da devastação social erguer-se-á um Portugal novo. Custe o que custar. Talvez para ele nenhum preço seja demasiado elevado para que se consubstancie a emergência desse Portugal rejuvenescido. Mesmo que o face-lift esconda a mais abjecta das fealdades: a exclusão social e a pobreza.