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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

FELIZ ANO NOVO?

Dezembro 29, 2011

J.J. Faria Santos

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Credit: Free images from acobox.com
 

Habitamos   um  tempo  de  renúncia  e  expiação. Todos  os  dias,  numa acusação a roçar a injúria, nos lembram alegados excessos e imprevidências, insuficiências e incapacidades. Ontem, sussurravam-nos melodias maviosas para os amanhãs que cantariam; hoje, a música é minimal repetitiva e o amanhã é sempre tarde demais. O tribunal internacional está reunido, a acusação enunciada, a sentença proferida, a pena decretada: sucumbimos à humana tentação de querermos viver melhor e vamos ter de suportar a cegueira da austeridade sem contemplações. Não importa que os líderes, ao sabor das flutuações da conjuntura, dos interesses nacionais ou das pressões dos míticos “mercados”, tenham ziguezagueado na definição da política económico-financeira (primeiro era necessária mais despesa pública para evitar a recessão; agora vamos mergulhar convictamente na recessão para combater o sobreendividamento e a crise das dívidas soberanas) e nos sinais de orientação que passaram para os cidadãos que os elegeram. 2012 vai ser o nosso annus horribilis. Resta-nos preservar o melhor da nossa condição humana: é na adversidade que se testa a resiliência de qualidades como a entreajuda e a solidariedade desinteressada. E é também nos tempos difíceis que repelimos a tentação de julgar as acções dos outros pelos nossos filtros. Um ano de vida é uma maratona. Temos de deixar de viver como se cada dia fosse uma corrida de cem metros obstáculos e apostar na prova de fundo. Alea jacta est (a sorte está lançada).

NATAL - NOSTALGIA E ESPERANÇA

Dezembro 23, 2011

J.J. Faria Santos

 

 

 

 Credit: Free images from acobox.com

 "il Garofalo" de Benvenuto Tisi

 

 

Há no Natal uma melancolia que, por entre a algazarra da celebração consumista, o conforto da reunião familiar e a solene evocação religiosa, se evola como uma nuvem de fumo. Nenhuma melodia de Natal representa melhor esse sentimento difuso, misto de nostalgia e esperança, que o “Have yourself a merry little Christmas”.

Evoca-se o passado sem recriminações (“Christmas past is past”); perspectiva-se um novo recomeço (“From now on our troubles will be far away”) ; celebra-se a amizade (“Faithful friends who are dear to us / Gather near to us once more”); mas não se esquece a imponderabilidade do destino (“Through the years we all will be together / If the fates allow”).

 

 

 

 

 

UM HOMEM LIVRE

Dezembro 18, 2011

J.J. Faria Santos

Não se deixava encaixar em escolas de pensamento, nem se deixava limitar por acantonamentos ideológicos (“Não é o conteúdo de um pensamento que define um espírito independente, mas, sim, a sua forma de pensar”). Não permitia que o intimidassem com a suspeita de uma qualquer deriva elitista, e repelia o populismo e a demagogia do colectivismo (“Em geral, as massas e os grupos são menos inteligentes do que cada um dos seus membros, quando isolados”). Não temia a iconoclastia e a dissidência (“A procura da segurança conferida por uma maioria nada tem a ver com a solidariedade; pode ser, antes, uma outra designação para o consenso, a tirania e o tribalismo”), mas compreendia que, para certos indivíduos, o preço a pagar pudesse ser demasiado elevado (“Há pessoas que não toleram a solidão, e, muito menos, a ideia de que os céus são vazios e que os nossos gritos inúteis nunca romperão o silêncio”).

Christopher Hitchens morreu depois de uma lúcida, irreverente e combativa temporada em Tumortown. “O mundo pode ser absurdo e sabemos que a nossa vida será sempre breve”, escrevera ele em 2001. Talvez por isso, tenha recomendado: “Procura a argumentação e a contestação pelo que valem: a sepultura dar-te-á tempo de sobra para o silêncio”.

 

(As citações de Hitchens foram retiradas de “Cartas a um Jovem Contestatário”, edição Círculo de Leitores).

O DIA EM QUE A VIDA PAROU II - A RECONQUISTA

Dezembro 11, 2011

J.J. Faria Santos

"Amigas do Peito" de Marta Cordeiro
 

Nove meses depois, período simbólico de gestação de uma nova vida, ela parece ter recuperado o controlo sobre a sua própria existência. O mal, que ela surpreendera durante o banho (que é uma espécie de ritual de purificação do corpo, e às vezes também da alma), viu o seu projecto imperialista, de anexar cada vez maiores parcelas do corpo, frustrado. No seu rosto, donde entretanto desapareceram os efeitos dos tratamentos, resta agora uma confiança calma mas vigilante. O efeito inicial de choque e pavor foi substituído pela serenidade de quem já intuiu que é possível rechaçar uma desordem aparentemente fatal. Aceitar o inevitável, esticar os limites do possível e palmilhar a corda bamba das vitórias sem garantias absolutas é um processo empírico, pessoal e intransmissível. É um caminho que se trilha no mais íntimo dos territórios, aquele que se funda na mais profunda das nossas convicções, as quais, não descartando os contributos dos que nos são próximos, formam-se na mais radical da solidões. Porque a vida é um contrato por tempo indeterminado, sem a nossa assinatura, e em que um dos outorgantes é produto das nossas crenças ou descrenças.

SUA EXCELÊNCIA, O GRANDE OFICIAL

Dezembro 04, 2011

J.J. Faria Santos

Carlos da Silva Costa, Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, licenciado em Economia, e que “realizou estudos de pós-graduação e investigação” na Sorbonne e “frequentou o Programa de Gestão para Executivos do INSEAD”, actual governador do Banco de Portugal, dirigiu-se a João Galamba, deputado, licenciado em Economia e frequência do doutoramento em Filosofia Política, nos seguintes termos: “Se não sabe o que é crowding  out vá aprender”. De seguida acusou-o de “ignorância total” e má-fé intelectual”. Tudo isto num tom que seria professoral se não fosse boçal, e de autoridade intelectual se não fosse prepotente e desqualificado pela soberba.

 O senhor governador não pode e não deve, numa sessão do Parlamento, perante representantes eleitos do povo português, adoptar um tom de altivez e grosseria, achincalhando quem o interpela ou contradiz. A capacidade de persuasão de um argumento é regra geral inversamente proporcional à elevação da voz e aos ataques apoplécticos de indignação, genuína ou fabricada. As regras de democracia comportam a vivacidade e a acutilância na troca de argumentos, mas preservam a civilidade. Quem se quer fazer respeitar não pode desconsiderar os outros.

Suspeito que o senhor ministro das Finanças, que indiscutivelmente não sofre de “ignorância total” e que sabe o que é o crowding out (e também o credit crunch, o boom bust cycle e o trickle-down efect, e por aí fora…), adepto e praticante do discurso pedagógico em slow motion,  deve ter ficado horrorizado com o estilo belicoso do Grande Oficial.

KING CORK

Dezembro 03, 2011

J.J. Faria Santos

Corria o ano de 1953 e o tio Henrique mandou chamar Américo Amorim à sua presença. Ter-lhe-á dito: “Os teus pais morreram e tu, olha, vens para aqui trabalhar. Se tiveres sucesso é para ti, se for mau, pegas numa saca e vais pedir” (relato de Carlos Oliveira Santos in “Visão do Século”). Começou assim, aos dezoito anos, numa fábrica de rolhas em Santa Maria de Lamas, o percurso do empresário que a Forbes viria a apodar de “rei da cortiça”.

Do homem mais rico de Portugal, seria de esperar que estivesse rodeado de uma plêiade de especialistas em leis tributárias que lhe permitissem fazer um inatacável planeamento fiscal. Surpreendentemente, a Direcção de Finanças de Aveiro acabou de detectar 3,1 milhões de despesas indevidas numa das suas holdings.

Massagens, artigos de higiene íntima e mercearia, entre outros itens, serviram para maximizar os gastos e diminuir a matéria colectável. As massagens, obviamente, destinaram-se a massajar o ego deste humilde trabalhador, claramente com um défice de auto-estima. Só assim se explica que tenha recorrido, ou permitido que recorressem em seu nome, aos mais toscos e risíveis expedientes de evasão fiscal. No que diz respeito aos artigos de higiene, é bom não esquecer que uma das definições para tampão é “grande rolha ou bucha”. Quanto à mercearia, atingimos o domínio do pleonasmo: da contabilidade desta empresa de Américo Amorim só podemos afirmar que são contas de merceeiro.

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