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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A ESCOLHA DE SOPHIA II - AS PESSOAS SENSÍVEIS

Abril 26, 2011

J.J. Faria Santos

O dirigente socialista José Lello, por inépcia tecnológica, tornou público o qualificativo "foleiro", dirigido ao Presidente da República. As almas sensíveis e os políticos cordatos condenaram esta palavra algo plebeia, que indica que determinada pessoa tem mau gosto. De igual modo, pode ser utilizada para adjectivar alguém que cobre a sua insignificância com o manto do pretensiosismo. Paremos um pouco para reflectir: "foleiro" é mais insultuoso que "mentiroso"(enganador, falso), "ignóbil" (desprezível, abjecto), cobarde (medroso, pusilânime) ou desonesto (indigno)?Regressemos a Sophia: "As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazes / De comer galinhas".

A ESCOLHA DE SOPHIA

Abril 23, 2011

J.J. Faria Santos

A poesia na linha da frente do combate cívico em nome de uma ética intransigente com a tirania e a servidão, sem concessões nem condicionalismos. A mesma poeta que celebrou a chegada do "dia inicial inteiro e limpo", não hesitou em acusar o demagogo com "fúria e raiva". Uma poesia comprometida que não se deixou comprometer, mantendo a integridade do seu olhar límpido, embebido no classicismo e embalado pelo mar. A escolha de Sophia foi a liberdade; escolher Sophia é honrar a liberdade de escolha. Não nos deixemos tolher pela aparência do inevitável, saibamos arriscar a plenitude. Porque como ela nos disse: "Cada dia te é dado uma só vez / E no redondo círculo da noite / Não existe piedade / Para aquele que hesita. / Mais tarde será tarde e já é tarde."

PASSOS EM VOLTA : O CANDIDATO DA VERDADE

Abril 17, 2011

J.J. Faria Santos

Parece que os amigos lhe chamam o "Obama de Massamá". Será pelo carisma? Pela eloquência? Pela eficácia eleitoral? Duvido do primeiro, discordo da segunda e a terceira está por provar. E, no entanto, tem a seu favor o clima de fim de ciclo e um governo desgastado, espoliado do seu último trunfo (repelir o FMI). Infelizmente para ele, enredou-se em demasiada tergiversação e no calculismo. Prometeu a clarificação programática, ainda que anunciada aos solavancos e protagonizada por figuras de think tanks desprovidas de sensibilidade democrática para perceber as subtilezas da governança das nações, para logo recuar para o conforto da figura da recolha de contributos. Cada passo que o líder do PSD dá, parece exemplificar uma longa marcha para o abismo. O mais prejudicial deles todos, mesmo que não lhe custe a vitória no escrutínio de Junho, foi o episódio do telefonema de Sócrates na véspera da apresentação do PEC4, escolhendo omitir o subsequente encontro em São Bento. O objectivo de explorar o filão do alegado conflito do primeiro-ministro com a verdade, só resiste se o acusador se escudar numa posição de elevado grau de pureza das posições que transmite. O terceiro candidato da verdade do PSD (depois de Manuela Ferreira Leite e Aníbal Cavaco Silva), ao falsear os dados, torpedeou a sua própria credibilidade. E tudo isto enquanto a esquerda das margens se contenta em alimentar os protestos, o PP aguarda com mal disfarçada ansiedade o momento de regresso aos corredores do poder, e o PS se contenta em elevar a resistência ao estatuto de programa político. Resta a sociedade civil, claro, onde os donos do poder desesperados (senadores, sábios, banqueiros, empresários), muitos deles comprometidos com o rumo do país que somos, mas agora virginalmente incansáveis na prescrição das míticas reformas estruturais, apelam à intervenção mais activa de Cavaco Silva, alguns mesmo não escondendo o desagrado com uma suposta inacção. O que é injusto. O chefe de Estado, mostrando uma "imaginação" que escasseia nos detentores de cargos europeus, exerce com proficiência e vanguardismo a magistratura do Facebook.

BREVE PERFIL NA PENUMBRA I - O MORALISTA

Abril 10, 2011

J.J. Faria Santos

Há uma veemência no esbugalhar dos olhos que exprime a indignação da autoproclamada exemplaridade perante a alegada prevaricação alheia. Julga as acções dos outros com a radicalidade dos altos padrões que se atribui, sem se deter nas fraquezas da condição humana, nem se deixar condicionar pela caridade cristã, que diz praticar. A sua predisposição belicosa é alimentada pelas convicções inabaláveis. Há uma labareda de fanatismo no incêndio que lavra no seu rosto, quando embarca em diatribes encharcadas em prosápia e auto-suficiência. Envolve as suas proclamações e denúncias no celofane dos preceitos éticos, com o qual mascara as proclamações doutrinárias e a guerrilha ideológica. Será, decerto, insensível à recomendação explicitada em Eclesiástico 6, 2-3: "Não te entregues ao excesso da tua paixão, para não suceder que destrua a tua alma como um touro furioso, consuma as tuas folhas e apodreça os teus frutos e te deixe como uma árvore seca no deserto".

MARIA MADALENA NUM APARTAMENTO COM VISTA PARA CENTRAL PARK

Abril 09, 2011

J.J. Faria Santos

Durante muito tempo, embalado pela conveniente ignorância, tive da personagem Maria Madalena a imagem comum: uma bela mulher de má reputação. Monica Bellucci, que a interpretou no controverso filme de Mel Gibson, encarnou-a na perfeição, fazendo uma síntese profícua entre a voluptuosidade sensual e uma certa aura maternal, que a afastava da degradação do estatuto de corpo público.

A dada altura, lendo uma celebrada obra de E. P. Sanders, "A Verdadeira História de Jesus",  deparei com a seguinte passagem: "Maria Madalena também é uma figura imensamente atraente para as pessoas, que imaginaram todo o tipo de coisas sobre ela: ela teria sido uma prostituta, muito bonita, apaixonada por Jesus, e que fugiu para França à espera de um filho dele. Tanto quanto sabemos, a partir das nossas fontes, ela tinha oitenta e seis anos, não tinha filhos e cultivava instintos maternos para com jovens desalinhados".

Num ápice, ruiu assim um perfil consensual, laboriosamente construído. Inesperadamente, simpatizei de imediato com esta anciã protectora de rebeldes. No meu espírito começou a desenhar-se uma figura seca de carnes, postura erecta, de língua afiada e intolerante com os intolerantes. Mais recentemente, fazendo um rápido casting, achei que lhe assentava bem o rosto de Lauren Bacall. A mesma Bacall que, entrevistada na Vanity Fair de Março, mostra o vigor dos seus 86 anos (precisamente!), referindo-se à sua fractura na anca, que lhe prejudica a locomoção, como uma "fucking fracture". Uma criatura escassa de civismo, e que quase a derrubou à entrada do consultório médico, é mimoseada com epítetos como "son of a bitch", "fucking ape" e "big horse of a man". Enquanto narrava estas peripécias, estendia ao entrevistador uma caixa de chocolates. Esta é a mulher que acha que o mais importante é o carácter, que se tem de ser inconsciente para se conseguir ser feliz, e que admite que a paciência não é o seu ponto forte.

Maria Madalena, em versão estrela de cinema, vive num apartamento algures no Manhattan's Upper West Side, com enormes janelas com vista para Central Park.

O DIA EM QUE A VIDA PAROU

Abril 03, 2011

J.J. Faria Santos

Não é de gestos exuberantes, nem tiradas dramáticas. Vive a vida com simplicidade e sobriedade. Pode dizer-se que se rege por valores tradicionais (apego à família, prática religiosa), mas que, no campo dos afectos, não hesitou em arriscar rupturas, inevitavelmente dolorosas, com pessoas próximas e modos de vida instituídos. Procurou e procura a felicidade, não com o afinco e a irredutibilidade dos convertidos, mas sim com a tranquilidade dos que reconhecem a sua transitoriedade, ou, pelo menos, a impossibilidade de a encarar como um direito adquirido. Bruscamente no mês passado descobriu que tinha um cancro. Anunciou-o com a suavidade habitual, talvez com um certo requebro na voz, com a expressão taciturna de sempre. Enunciou os passos que já dera, relacionados com os assuntos triviais do dia-a-dia, para a eventualidade do pior cenário se concretizar. Agarrando-se à vida, preparava-se para a morte. A fé que a amparava era demasiado ambivalente: e se a vontade do Senhor fosse que ela partisse deste mundo? Chorou. Com suavidade e contenção, quando toda a raiva era admissível.É usual falar-se da solidão do poder, mas não é maior a solidão da impotência?

Susan Sontag, no seu ensaio "A Doença como Metáfora", notou a prevalência da linguagem militar na descrição e no tratamento do cancro: a multiplicação das células cancerígenas é frequentemente comparada a uma invasão; a radioterapia assemelha-se a um bombardeamento com raios; e a quimioterapia tem ressonâncias de guerra química. Sontag recusa a metáfora, defendendo um "olhar mais depurado sobre a doença", mas é de guerra que acabamos por falar. De batalhas vencidas, conquistas provisórias e danos colaterais. E como à vitória nunca corresponde uma aniquilação, segue-se uma espécie de período de saúde condicional, durante o qual o mal conspira na sombra.

Numa espécie de prólogo ao seu ensaio, escreveu Susan Sontag: "Ao nascer, todos nós adquirimos uma dupla cidadania: a do reino da saúde e a do reino da doença". Que pena que não possamos renunciar a este estatuto. E que pena que o nosso inescapável encontro com a mortalidade não possa ocorrer apenas em circunstâncias de inalienável dignidade.

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