PODE ALGUÉM NÃO SER QUEM É?
Novembro 02, 2025
J.J. Faria Santos

O candidato presidencial é militante de um partido há mais de 45anos. Nele, e em nome dele, exerceu toda uma diversidade de cargos: líder da juventude partidária, membro do Secretariado Nacional, deputado, líder parlamentar, eurodeputado, secretário-geral, secretário de Estado e ministro. Mário Soares e António Guterres “deram sentido” à sua “acção política com uma visão humanista centrada nas pessoas”. “Liberdade, igualdade, solidariedade” são valores que defende. Pugna por um “progresso económico de mãos dadas com a justiça social”. Quer “proteger o Estado Social e reduzir drasticamente a pobreza”. Diz que “aprendeu a importância da escola pública, do serviço nacional de saúde e da segurança social”. Deplora o “agravamento do fosso social. Poucos e cada vez mais ricos. Do outro lado, quase todos, pobres, remediados e uma classe média a ser esmagada”. Na sua primeira declaração após ter sido eleito secretário-geral do seu partido, o agora candidato presidencial afirmou que a sua oposição ao governo de então seria feita “em nome da defesa dos valores de esquerda democrática”. Apesar de tudo isto, o candidato recusa-se, hoje, aqui e agora, a declarar-se de esquerda. Porque considera as categorias esquerda/direita obsoletas ou redutoras? Não. Porque não quer ser arrumado em “gavetas”.
António José Seguro diz que quer “unir os portugueses”, e que se dirige a “todos os portugueses, sejam eles de esquerda, de direita, de centro”. Desafiado a definir-se como “laico, republicano e socialista”, como uma das pessoas que deu “sentido à sua acção política”, disse-se “republicano, progressista e humanista”. “Socialista” e “esquerda” são, agora, palavras tóxicas no léxico do candidato. Precisamente porque se trata de uma “candidatura presidencial”. Mas não será natural que um candidato se apresente com todo um lastro de intervenção cívica e de convicções ideológicas que nortearam a sua acção política e que, a partir daí, construa uma proposta que tenha capacidade agregadora de perspectivas diversas que reconheçam nele qualidades para o cargo a que concorre? Seguro diz agora que “as etiquetas dividem as pessoas”. E advoga “uma nova cultura política, baseada no diálogo e no compromisso”. Já assim pensava quando foi eleito secretário-geral do seu partido, mas nessa altura não considerava que as “etiquetas” fossem um problema, afirmando textualmente: “O país necessita de compromissos e de convergências, sem nunca colocar em causa as ideologias de cada um.”
O candidato que percorreu todos os patamares da vida partidária, de militante de base a ministro, afirma “não vir da política tradicional”, no que pode também ser entendido como uma tirada incongruente e populista. António José Seguro, na apresentação da sua candidatura, afirmou solenemente: “Assumo por inteiro e com orgulho o meu percurso e todo o meu passado.” O que torna mais insólito o estatuto de candidato que não ousa dizer a sua inclinação política. Como quem está preso pelas amarras da “partidofobia” ou da “esquerdofobia”.








