LEÕES DA SAVANA E RATOS DO TWITTER
Novembro 07, 2017
J.J. Faria Santos
Leio no site da Newsweek que uma fotografia de um “aparente encontro sexual” entre dois leões do sexo masculino causou um grande escândalo no Quénia. A peça escrita por Conor Gaffey esclarece que comportamentos deste género ocorrem em centenas de diferentes espécies animais, embora tal aconteça geralmente como complemento de uma actividade sexual heterossexual e não como um acto exclusivo. Daí, escreve o jornalista, os “cientistas serem relutantes em utilizar termos antropomórficos – como gay e lésbico – para classificar os animais que se envolvem com parceiros do mesmo sexo”. O caso atraiu a atenção de Ezekiel Mutua, responsável pela entidade que regula o mercado audiovisual e visto como um zelador da moral e dos bons costumes, que entendeu afirmar: “Estes animais precisam de aconselhamento, porque provavelmente foram influenciados por gays que visitaram os parques nacionais e se comportaram inadequadamente”. Esta é uma extraordinária proclamação. Por onde começar? Demos de barato que reunidos certos pressupostos os animais imitam o comportamento dos humanos. De que forma é que os leões foram “influenciados”? Os gays que visitam os parques nacionais do Quénia vão acasalar para a savana porque gostam de o fazer sendo observados por leões? Ou a influência limita-se a gestos de afecto mais discretos que os leões depois extrapolam até à consumação do coito? E, mais interessante, irá o Sr. Mutua pessoalmente ministrar o aconselhamento?
Interrogo-me que tipo de influência exerceria Trump sobre os leões se porventura visitasse os parques naturais do Quénia acompanhado pela discreta e contida Melania. Arrisco a afirmação de que Ezekiel Mutua a encararia como positiva, desde que o Presidente americano não se oferecesse para o aconselhamento, já que a perspectiva da promoção de actos como agarrar a genitália não devem preencher os requisitos de decência do moralista queniano. Aliás, não deixa de ser simbólico que numa altura em que o assédio sexual está na ordem do dia na América, resida na Casa Branca um confesso perpetrador.
Trump pode parecer um leão no Twitter, mas na verdade é um rato. James Wolcott explica-o na Vanity Fair de Novembro num artigo ilustrado soberbamente por Darrow. Neste momento, escreve Wolcott, “seria prematuro descartar a presidência Trump como uma espécie de roedor morto esparramado no linóleo. Na sua detestável resistência, ele está mais próximo de um rato encurralado”. Consequentemente, é de esperar que ele continue a espernear e que não se renda com facilidade. Mas quando ele abandonar a Casa Branca, prossegue Wolcott, “por reforma antecipada, para a prisão, para um sanatório ou para asilo na Rússia”, nessa altura começará o juízo final sobre o seu mandato. O que não pode esperar é a reflexão acerca do grande “desafio pós-Trump”: tornar a América um “país à prova de tiranos”. Inoculada com o trumpismo, a nação americana deveria ficar imune. Será que ainda vai aceder a uma dose de reforço? Dois mandatos seria, isto sim, uma dose de leão.
(Imagem: Pormenor da ilustração de Darrow para a Vanity Fair)