FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA
Fevereiro 06, 2018
J.J. Faria Santos
Como se sabe a Justiça luta com uma crónica falta de meios, pelo que nunca é demais sublinhar a oportuna investigação destinada a avaliar os três tipos de crimes que poderiam estar associados aos dois lugares que Mário Centeno solicitou ao Benfica. Certamente que foi devidamente ponderada a apreensão de correspondência electrónica do assessor diplomático e do chefe de gabinete do ministro, e acautelada a possibilidade de aparecerem emails escarrapachados no jornal oficioso do Ministério Público. Estou certo que foi avaliada a proporcionalidade das acções empreendidas, de forma a evitar danos reputacionais ao ministro e ao Estado português, e até à própria Justiça, sempre sujeita a acusações de leviandade. Já para não falar do alarme social causado pela percepção de que um ministro da República, e logo o das Finanças, poderia vender isenções de impostos a troco de um punhado de convites… E das repercussões na imprensa internacional e nas instituições europeias.
O inquérito conduzido pela 9ª secção do DIAP de Lisboa foi arquivado porque se concluiu pela inexistência de qualquer crime, dado que, de acordo com o soberbo e esclarecedor jargão jurídico, “as circunstâncias concretas eram susceptíveis de configurar a adequação social e política própria da previsão legal”. Se não percebeu, ou achou a formulação abstrusa, não se sinta diminuído pela sua flagrante ignorância; é que a nobre arte de administrar a Justiça não se coaduna nem com o simplismo nem com a simplicidade. Só uma vanguarda iluminada garante a integridade da decisão. Nas imortais palavras de Joana Marques Vidal: “Os inquéritos são abertos porque se considera que há notícias de crimes. Faz-se a investigação adequada e decide-se o futuro”. Digamos, então, que se o Ministério Público continuar a estabelecer nexos de causalidade com a criatividade e a leveza demonstradas neste inquérito, o futuro promete ser mais acidentado que radioso.
Vicente Jorge Silva, no seu artigo dominical no Público intitulado Justiça e jornalismo no esgoto, lamentou que a “conivência entre alguns jornalistas e agentes da Justiça” tivesse atingido “um tal grau de desvergonha que cria laços de dependência e servilismo mútuos”. Especificamente sobre o caso que envolveu o ministro das Finanças, deplorou “que as autoridades judiciais se tenham limitado a reagir, como marionetas acéfalas, à pista maldosa do jornalismo de sarjeta”.
É pena que a percepção generalizada de que sob a direcção de Joana Marques Vidal a acção do Ministério Público não se tem deixado condicionar pelo estatuto ou pelo poder dos suspeitos seja manchada por conluios pouco saudáveis (quando não flagrantemente ilegais), pelo resvalar para o populismo e pelas tentações justicialistas. Por ora, a Europa pode suspirar de alívio porque o presidente do Eurogrupo não prevaricou. E Portugal, tirando os guardiães da ética imaculada, pôde comprovar a lisura de procedimentos do seu ministro das Finanças, por causa (ou apesar) da costumada Justiça.
Imagem: inimigopublico.pt