A MÃO ESCONDIDA POR TRÁS DOS ARBUSTOS
Abril 02, 2014
J.J. Faria Santos
Parece existir uma vertigem de confrontação algo deslocada na generalidade dos interlocutores do ex-primeiro-ministro José Sócrates ( talvez seja útil enfatizar o “ex”, visto que a vocação de contrapoder da classe jornalística parece estender-se aos deserdados desse mesmo poder). A entrevista de Sócrates, nos idos de Março de 2013, que precedeu o seu comentário semanal, foi alvo de um pouco comum fact-checking por parte de vários orgãos de comunicação social. Já o último dos episódios, também bastante elucidativo, foi a forma como José Rodrigues dos Santos transformou um espaço de comentário denominado “A opinião de José Sócrates” numa “entrevista confrontacional”.
Apesar de ter desabafado que “não vinha preparado para isto”, a fazer fé na perspicácia de Marcelo Rebelo de Sousa, “Sócrates esteve muitíssimo bem, nem se irritou” (Expresso, edição de 29/03/2014). De acordo com o semanário, esta alteração de estilo foi abordada num almoço, em separado, com os comentadores da RTP. Nuno Morais Sarmento, perante a insistência de Rodrigues dos Santos em escolher os temas e ter liberdade para fazer todas as perguntas, terá respondido que não fora “convidado para fazer parte da entrevista de José Rodrigues dos Santos, mas para fazer o comentário de Nuno Morais Sarmento”.
A questão torna-se mais complexa se se começar a estabelecer uma padrão de partis pris em relação a Sócrates, e mais grave se esta tendência resvalar para a duplicidade de critérios, ao evoluir de uma questão de estilo para uma questão de conteúdo. Um exemplo: a afirmação de José Sócrates de que “…pagar a dívida é uma ideia de criança. As dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se” foi tratada pela comunicação social de forma sensacionalista e pouco pedagógica (como se fosse uma enormidade), para ser “corroborada”, meses depois, sem suscitar alarido, pelo banqueiro superstar António Horta Osório: “Enquanto os privados devem pagar as dívidas ao longo do seu ciclo de vida, as empresas e os Estados, que não têm um ciclo de vida, não precisam de o fazer. Têm é de pagar o serviço de dívida” (Expresso, 25/01/2014). Ou seja, existe um reacção pavloviana e desprovida de racionalidade a opiniões pouco convencionais ou que escapam à ortodoxia do dia. A noção da irracionalidade deste comportamento já teve eco no PSD. Em recente entrevista ao jornal Público, Pedro Santana Lopes afirmou: “Eu não sou daqueles que fustiga o eng. Sócrates a dizer que ele é o culpado por tudo o que se passa em Portugal. Acho essa ideia absolutamente caricata e ridícula. A principal culpa pelo que se passa em Portugal são factores externos. O eng. Sócrates desorientou-se na parte final do mandato, tomou muitas medidas erradas, mas durante anos desenvolveu políticas correctas e tomou muitas boas medidas.” Será impossível entrevistar ou comentar Sócrates de forma incisiva, até porventura contundente, sem perder o rigor, o equilíbrio e a isenção?
Pessoalmente, faço votos para que Rodrigues dos Santos exercite a técnica da “entrevista confrontacional”, onde a “isenção pode perder-se” e o entrevistador assume o “papel de advogado do diabo”, numa próxima entrevista com Pedro Passos Coelho. Seria uma forma de fazer a prova dos factos e estabelecer o contraditório em relação às afirmações do actual primeiro-ministro. Uma tarefa que até ao momento tem sido fundamentalmente desempenhada por protagonistas da blogosfera, onde colectâneas de intervenções de Passos Coelho se encarregam de demonstrar o esplendor da irredimível incoerência (ou será inconsciência?). Talvez por isso, quando uma deputada no Parlamento brutalmente lhe diz que a palavra dele “não vale nada”, a sua única defesa seja o silêncio. O silêncio dos culpados.