A ESCOLHA DE SOPHIA III - O PANTEÃO
Fevereiro 05, 2014
J.J. Faria Santos
"The Pantheon" de Edouard Cortes (Courtesy of www.bertc.com)
Durante dias a fio discutiram-se as figuras, o seu mérito intrínseco, a sua elegibilidade face aos critérios legais, a própria relevância do local, o mérito ou demérito dos que já lá repousam e as ausências incompreensíveis, tudo a partir do tsunami emocional que envolveu o falecimento de uma figura incontornável do desporto. A dada altura, parece que estivemos perto de habitar um programa de televisão – O Panteão Aberto – e nos fosse dado o poder de decisão: “se quer que seja Eusébio a entrar no Panteão marque 760 999 001; se quer ver Salgueiro Maia (quem?) juntar-se a Carmona marque 760 999 002; se a sua preferência recai em Sophia de Mello Breyner Andresen (quem? Então agora deixam entrar estrangeiras no Panteão Nacional?) ligue 760 990 003. Por 0,60€ mais iva, não permita que o afastem do processo de decisão. Em alternativa, pode votar no site www.panteaoonline.pt ou fazer like ao seu candidato preferido na página do Facebook. O vencedor será anunciado pelo Presidente da República, em directo do Palácio de Belém, numa gala apresentada por Teresa Guilherme”.
Passado o frenesim inicial, a histeria celebratória post mortem , foi noticiado que o processo de transladação da poeta, com a aprovação da família e no décimo ano depois da sua morte, concretizar-se-á em 2014. Se pensarmos que a palavra “panteão” significa, em grego, “consagrado a todos os deuses”, logo concluímos pela justeza de para lá encaminhar este vulto do nosso Olimpo literário e cívico. Mesmo que nos possamos interrogar acerca do que pensaria a própria Sophia deste endeusamento, ela que se declarava de uma religiosidade algo heterodoxa: “Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro / Sabendo que o real o mostrará”. Se o procurava no mundo, não levará a mal que nós tenhamos encontrado nas suas palavras sinais do divino em forma de verso, quando traça o retrato pútrido do “velho abutre”, deplora o impedimento do “gesto criador”, celebra “ o dia inicial inteiro e limpo”, fustiga o demagogo (“A verdade não é uma especialidade / Para especializados clérigos letrados”), ou se une ao mar numa “praia extasiada e nua”.