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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O PADRE EXORCISTA E O TIRANETE PIEGAS

Fevereiro 27, 2018

J.J. Faria Santos

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Como qualquer outro ramo de actividade, também a prática de exorcismos se vê condicionada pela lei da oferta e da procura. Um artigo de Tom Porter para a Newsweek (disponível online) cita o padre siciliano (e exorcista encartado) Benigno Palilla que, em entrevista à Rádio Vaticano, afirmou que a procura de padres com qualificações para combater o demo triplicou nos anos mais recentes, apontando para cerca de meio milhão de casos de possessão demoníaca por ano em Itália.

Anotemos a óbvia simbologia de um padre chamado Benigno ter capacidades para combater o maligno, e saibamos reconhecer a sua clarividência. É que ele não deixa de explicar que a popularidade de adivinhos e de intérpretes das cartas de Tarot induz a proliferação de casos de alegada possessão. Além do mais, Benigno Pallila nota que muitos casos são apenas manifestações de problemas psicológicos e espirituais.

Seja como for, em Abril realizar-se-á em Roma um curso sobre exorcismo. É que, como refere Tom Porter, “em 2014, o Vaticano deu apoio oficial à Associação Internacional de Exorcistas, tornando o exorcismo uma prática reconhecida sob a lei canónica”.

 

Agora que o exorcista Pedro Passos Coelho se retirou da actividade política, é no futebol português que o Diabo parece andar à solta. Diabo é, neste caso, apenas mais um sinónimo de populista, ditador ou tiranete. Bruno de Carvalho apelou aos adeptos para boicotarem todos os meios de comunicação social que não os orgãos do clube e o seu director de comunicação, por acaso um ex-jornalista (o Diabo também está nos detalhes,,.), tratou logo de elaborar uma espécie de Índex. O recuo parcial que depois ocorreu (com o beneplácito para os comentadores do clube continuarem a defender o clube nos media proscritos) não travou a expansão da nódoa.

A chegada de Bruno de Carvalho ao futebol nacional cedo tornou evidente que, por comparação com a sua requintada retórica, a ironia de Pinto da Costa adquiria um fino recorte e os discursos lidos aos solavancos por Luís Filipe Vieira assemelhar-se-iam a solenes proclamações presidenciais. O que é surpreendente é que o homem que escolheu o confronto como estratégia, e que kubrickianamente dorme com os três olhos bem fechados, tenha escolhido o Facebook para se queixar da solidão do poder e para se declarar “triste, sozinho, cada vez mais infeliz”. Como diria o ex-primeiro-ministro, um verdadeiro piegas.

 

Imagem: "Anjo Caído" de Gustave Doré (Wikimedia Commons)

CRÓNICAS DO SEXO

Fevereiro 20, 2018

J.J. Faria Santos

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Sob a pressão de grupos conservadores, o parlamento indonésio está a ponderar legislação que prevê a prisão até cinco anos para as pessoas que pratiquem sexo sem estarem casadas. Ao mesmo tempo, dá conta a curta notícia da Time intitulada A crescente intolerância da Indonésia, prevê-se a ilegalização das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Por um lado, a sociedade indonésia parece ter-se mobilizado para contrariar esta repressão sobre o acto sexual, o que se manifesta através das dezenas de milhares de indivíduos que se pronunciaram nesse sentido através de uma petição online. Mas por outro lado, numa sondagem recente, “quase 90% dos indonésios que compreendem o termo LGBT declararam sentir-se ameaçados pela comunidade”. O que até se poderá perceber se estas pessoas levarem à letra as afirmações do ministro da Defesa, Ryamizard Ryacudu, que considera os activistas gay “mais perigosos que uma bomba nuclear”.

 

O primeiro-ministro australiano anunciou uma revisão do código de conduta que rege o comportamento dos governantes no sentido de proibir as relações sexuais entre estes e os seus funcionários. A medida surge na sequência da revelação do affair extra-conjugal entre o vice-primeiro-ministro e a sua, na altura, conselheira para os media. Claro que, neste caso, a atitude repressiva não é comparável à do governo indonésio, até porque os ministros australianos podem fornicar livremente com os funcionários dos outros ministérios. Mas não deixa de ser questionável a necessidade de inscrever este género de regras num código de conduta. Pior só as considerações do primeiro-ministro acerca da atitude do seu vice, considerando que a sua acção, e cito a tradução do Expresso, “espoletou um mundo de desgraças para estas mulheres [a consorte e as 4 filhas] e chocou-nos a todos”. Não querendo minimizar o impacto emocional da infidelidade, “um mundo de desgraças” é uma manifesta hipérbole que descamba para o tremendismo e a infantilização.

 

Os Estados Unidos têm estado entretidos com a história da infidelidade de Donald Trump com uma actriz de filmes para adultos, cujo nome artístico é Stormy Daniels. Tudo se teria passado em Julho de 2016, altura em que Trump estava casado com Melania, e os detalhes foram pela primeira vez revelados numa entrevista de actriz à revista In Touch, há sete anos. Soube-se agora que em 2016 Stormy recebeu 130 000 dólares de um advogado de Trump para se manter em silêncio. Claro que esta história terrivelmente banal ( o egomaníaco milionário com predilecção por mulheres-troféu a conquistar a profissional da indústria do sexo, e a subsequente preocupação de ocultação) só interessa à América puritana. A tal que parece mais preocupada em manter as aparências da felicidade conjugal do que em admitir que elegeu um perigoso incompetente para Presidente.

 

Imagem: Foto de Helmut Newton (Courtesy of Bert Christensen)

OS ARDORES DA PAIXÃO SÃO FOGOS DO SENHOR

Fevereiro 13, 2018

J.J. Faria Santos

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“Durante a noite, no meu leito / busquei aquele que a minha alma ama; / procurei-o mas não o achei.”, lamenta-se a Esposa. Mas eis que, depois de percorrer a cidade, o encontrou. “Agarrei-me a ele e não o largarei mais, / até que o tenha introduzido na casa de minha mãe / no quarto daquela que me concebeu.”

O encantamento é mútuo. “O teu porte assemelha-se ao da palmeira / e os teus seios são os teus cachos. Eu disse: ’Subirei à palmeira, / e colherei os seus frutos.’”, desabafa arrebatadamente o Esposo, para logo acrescentar: “A tua palavra é como um vinho excelente / que corre deliciosamente para o amado / e desliza por entre os seus lábios e os seus dentes.”

 

A Esposa mostra-se preocupada com as convenções sociais ou até, porventura, com os constrangimentos morais ou religiosos, expressando alguma frustração por ter de moderar os seus ímpetos amorosos, pois confessa: “Quem me dera que fosses meu irmão / amamentado aos seios de minha mãe / para que, encontrando-te fora, te pudesse beijar / sem que ninguém me censurasse.”

O Esposo, porém, apressa-se a sossegá-la com uma eloquente descrição da vitalidade do amor: “Põe-me como um selo sobre o teu coração, / como um selo sobre os teus braços; / porque o amor é forte como a morte, / a paixão é violenta como o sepulcro, / os seus ardores são chamas de fogo, / os seus fogos são fogos do Senhor. / As muitas águas não poderiam extinguir o amor, / nem os rios o poderiam submergir.”

 

O Cântico dos Cânticos é um dos livros didácticos do Antigo Testamento, sendo apresentado como “um poema em que se canta e exalta o amor humano como fruto da natureza sexuada, origem da complementaridade e convívio social”. E é seguramente um bom ponto de partida para rejeitar interpretações doutrinárias de cariz religioso que censuram a expressão e a vivência dos afectos. Que não só se afastam da sua missão de conforto espiritual como também se aproximam da desumanidade e da tentação dirigista e ditatorial.  Ou então são, pura e simplesmente, insensatas. Porque “muitas águas não poderiam extinguir o amor”, a sua chama divina. Nem sequer a água benta de D. Manuel Clemente. É que estes não são fogos que incineram; são fogos que iluminam e inspiram a existência.

 

Citações extraídas da 8ª edição da Bíblia Sagrada da Difusora Bíblica

Imagem: "Adão e Eva" de Tamara de Lempicka (courtesy of Bert Christensen)

FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA

Fevereiro 06, 2018

J.J. Faria Santos

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Como se sabe a Justiça luta com uma crónica falta de meios, pelo que nunca é demais sublinhar a oportuna investigação destinada a avaliar os três tipos de crimes que poderiam estar associados aos dois lugares que Mário Centeno solicitou ao Benfica. Certamente que foi devidamente ponderada a apreensão de correspondência electrónica do assessor diplomático e do chefe de gabinete do ministro, e acautelada a possibilidade de aparecerem emails escarrapachados no jornal oficioso do Ministério Público. Estou certo que foi avaliada a proporcionalidade das acções empreendidas, de forma a evitar danos reputacionais ao ministro e ao Estado português, e até à própria Justiça, sempre sujeita a acusações de leviandade. Já para não falar do alarme social causado pela percepção de que um ministro da República, e logo o das Finanças, poderia vender isenções de impostos a troco de um punhado de convites… E das repercussões na imprensa internacional e nas instituições europeias.

 

O inquérito conduzido pela 9ª secção do DIAP de Lisboa foi arquivado porque se concluiu pela inexistência de qualquer crime, dado que, de acordo com o soberbo e esclarecedor jargão jurídico, “as circunstâncias concretas eram susceptíveis de configurar a adequação social e política própria da previsão legal”. Se não percebeu, ou achou a formulação abstrusa, não se sinta diminuído pela sua flagrante ignorância; é que a nobre arte de administrar a Justiça não se coaduna nem com o simplismo nem com a simplicidade. Só uma vanguarda iluminada garante a integridade da decisão. Nas imortais palavras de Joana Marques Vidal: “Os inquéritos são abertos porque se considera que há notícias de crimes. Faz-se a investigação adequada e decide-se o futuro”. Digamos, então, que se o Ministério Público continuar a estabelecer nexos de causalidade com a criatividade e a leveza demonstradas neste inquérito, o futuro promete ser mais acidentado que radioso.

 

Vicente Jorge Silva, no seu artigo dominical no Público intitulado Justiça e jornalismo no esgoto, lamentou que a “conivência entre alguns jornalistas e agentes da Justiça” tivesse atingido “um tal grau de desvergonha que cria laços de dependência e servilismo mútuos”. Especificamente sobre o caso que envolveu o ministro das Finanças, deplorou “que as autoridades judiciais se tenham limitado a reagir, como marionetas acéfalas, à pista maldosa do jornalismo de sarjeta”.

 

É pena que a percepção generalizada de que sob a direcção de Joana Marques Vidal a acção do Ministério Público não se tem deixado condicionar pelo estatuto ou pelo poder dos suspeitos seja manchada por conluios pouco saudáveis (quando não flagrantemente ilegais), pelo resvalar para o populismo e pelas tentações justicialistas. Por ora, a Europa pode suspirar de alívio porque o presidente do Eurogrupo não prevaricou. E Portugal, tirando os guardiães da ética imaculada, pôde comprovar a lisura de procedimentos do seu ministro das Finanças, por causa (ou apesar) da costumada Justiça.

 

Imagem: inimigopublico.pt

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