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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

PESSOA APLICADO À POLÍTICA PORTUGUESA

Julho 25, 2017

J.J. Faria Santos

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O que poderia dizer Passos Coelho – “Deus é bom mas o diabo também não é mau.”

 

O que poderia dizer José Sócrates – “Assim organizar a nossa vida que ela seja para os outros um mistério, que quem melhor nos conheça, apenas nos desconheça de mais perto que os outros.”

 

O que poderia ser dito a Nuno Morais Sarmento – “O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.”

 

O que poderia dizer Cavaco Silva – “(…) o único dever dos superiores é reduzirem ao mínimo a sua participação na vida da tribo. Não ler jornais, ou lê-los só para saber o que de pouco importante e curioso se passa.”

 

O que poderia dizer Marcelo – “Nunca durmo: vivo e sonho, ou antes, sonho em vida e a dormir, que também é vida. Não há interrupção em minha consciência: sinto o que me cerca se não durmo ainda, ou se não durmo bem; entro logo a sonhar desde que deveras durmo.”

 

O que poderia dizer Paulo Portas – “Que sou hoje, vivendo hoje, senão a renegação do que fui ontem, de quem fui ontem? Existir é desmentir-se.”

 

O que poderia dizer António Costa – “Não vale a pena pressentir nem conhecer. Todo o futuro é uma névoa que nos cerca e amanhã sabe a hoje quando se entrevê.”

 

O que poderia ser dito a Assunção Cristas – “Repara bem que a obra que te propões fazer é no mais alto de tudo. (…) Cuida bem pois em que o teu rumo seja certo e não possam errar os teus instrumentos.”

 

O que poderia dizer Vasco Pulido Valente – “Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação.”

 

(Excertos de Livro do Desassossego de Bernardo Soares, edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim.)

LEI E ORDEM

Julho 18, 2017

J.J. Faria Santos

O Ministério Público, conta o Expresso, queria fazer buscas em casa de Manuel Pinho. Um juiz recusou o pedido por insuficiência de indícios que o justificasse. Suponhamos que o juiz tinha aquiescido. Estão a imaginar um Manuel Pinho estremunhado, cabelo em desalinho, de roupão de seda, a abrir a porta de casa às 7 da manhã, ao que se seguiria um vasculhar minucioso da propriedade para apreender telefones, agendas e computadores? Bom, tirem daí o sentido. Parecendo antever um suspeito pouco colaborante, o DCIAP pretendia autorização para o arrombamento de fechaduras e a “desa(c)tivação  de sistemas de vigilância”. E para a eventualidade de Pinho lhes pretender atiçar os mastins, acautelaram igualmente a “administração de substâncias tranquilizantes adequadas à neutralização de animais”. Claro que há sempre a hipótese dos agentes terem ficado vivamente impressionados com a ferocidade do rosto do ex-ministro no Parlamento, no célebre episódio dos “corninhos”, e os tranquilizantes terem outro destinatário.

 

Três secretários de Estado demitiram-se na sequência da sua constituição como arguidos no processo mediaticamente conhecido por Galpgate. Demorou um ano para que lhes fosse imputada a suspeita de terem aceitado uma “vantagem patrimonial ou não patrimonial”. Aparentemente, não é considerado conforme aos “usos e costumes”, nem socialmente adequado, consentir na oferta de viagens e bilhetes para assistir a jogos de futebol da selecção nacional. Concentremo-nos no tempo decorrido. Qual a justificação para a delonga? Será um processo de extrema complexidade? Estiveram a ser analisadas resmas de documentos e centenas de transacções financeiras? Aguardar-se-ão respostas a cartas rogatórias?

 

Entrevistada por Isabel Lucas para o Público, a escritora inglesa Zadie Smith afirmou: “O que se chama ‘esquerda’ e ‘direita’ é sobretudo uma argumentação sobre dádiva, o que deve ser oferecido e o que deve ser ganho. Na esquerda, dependendo do grau, há a ideia de que há direitos naturais e que podem incluir educação, saúde, habitação. À direita há a noção de que não há coisas como direitos naturais, mas sorte e trabalho e, se te metes em sarilhos, tens de sair de lá”.

A mínima suspeita de que o direito à segurança e à não descriminação, e a protecção contra um tratamento desumano, racista e xenófobo não são dados adquiridos e podem estar dependentes da sorte numa qualquer lotaria do civismo é inquietante. E como explicar a opção por não suspender de imediato os prevaricadores? Não haverá risco de continuação da actividade criminosa? Frases como “Quero exterminar-vos todos desta terra”, “É preciso uma legislação para fazer a vossa deportação. Se eu mandasse vocês seriam todos esterilizados” e “Pretos do caralho, deviam morrer todos”, proferidos por polícias fazem evocar, seguramente neste caso, o “colapso do Estado” ou o “falhanço mais básico” da autoridade do Estado. Mas esta é uma caracterização que a direita parece hesitar em atribuir ao comportamento dos polícias da Cova da Moura. Reserva-a para os ataques políticos. Seria um equívoco não perceber que a mais eloquente defesa das forças de segurança passa sempre, à esquerda e à direita, pela condenação vigorosa de comportamentos que ferem a honra e a dignidade de uma corporação.  

 

OS FOCUS GROUPS DE MARCELO E A CAÇA AO COSTA

Julho 11, 2017

J.J. Faria Santos

Primeiro foi a reunião privada com alguns dos seus conselheiros em Belém. Marcelo terá visto na tragédia dos incêndios, segundo a formulação da jornalista Ângela Silva no Expresso, “um ponto de viragem no estado de graça do Governo”. Os participantes neste núcleo íntimo terão apreciado este “susto da geringonça” que contribuirá para impedir uma hipotética futura maioria absoluta de Costa. Mesmo assim concedem que a popularidade do Governo não terá sido significativamente afectada. E, explica a jornalista, “o PR, mesmo sendo o primeiro na escala, não quer guerras com quem continua em alta”.

 

Depois veio a reunião com toda a equipa, temporalmente depois de Pedrógão e antes de Tancos, cujo conteúdo vem descrito no Expresso do passado sábado. O próprio PR terá definido a gestão política do Governo como má, “talvez por cansaço, sobranceria e falta de oposição”, mostrando-se convicto de que a crise pode “alargar o poder do Presidente”. Mesmo aventando a hipótese de cansaço, Marcelo terá discordado das férias de Costa. Quanto à falta de oposição, respondeu em tempo recorde a um pedido de audiência de Assunção Cristas e tê-la-á avisado de que a sucessão de demissões conduziria a uma moção de censura. Terá sido um aviso (uma especialidade marcelista, dado que não passa uma semana sem que um jornal, uma rádio ou uma estação de televisão não dê conta de uma qualquer advertência presidencial) ou uma sugestão?

 

Como se percebe facilmente, a diferença entre o focus group encomendado pelo PM ou pelo PS e os focus groups informais do PR é mínima. A diferença pode estar na divulgação nas letras gordas de uma manchete ou nas páginas interiores de um semanário. E, sobretudo, na perspectiva subjectiva de quem lê, que pode fazer leituras diametralmente opostas de uma legítima avaliação da situação política. De uma lado, o Marcelo interessado na consolidação do seu poder de forma a exercer mais eficazmente a sua missão de provedor dos afectos e consolador dos aflitos; do outro, o Costa sedento de poder a qualquer preço, cínico, sem escrúpulos e sem “fibra de líder”.

 

Espicaçado pelas circunstâncias, o Dr. Passos Coelho vai progressivamente perdendo a sua pose de estadista e multiplicando as tiradas demagógicas e populistas, ao passo que a Dra. Cristas pondera uma moção de censura (ambos têm um gigantesco sentido de Estado, que como se sabe é património imaterial da direita). A brigada liberal de bloggers e líderes de opinião carrega nos adjectivos com que qualifica o primeiro-ministro e com que pinta um cenário de apocalipse, agora. Na amálgama, a ausência de férias do primeiro-ministro nas Baleares é tão grave quanto o roubo de Tancos. Deploram o que chamam de “social-comunismo” e de “experiência do Terceiro Mundo às portas da Europa”, e dizem que Portugal está nas “mãos de criminosos”. Pelo meio, lamentam a suborçamentação dos organismos do Estado, o tal que era gordo, anafado e ineficiente. Costa é o alvo a abater e Marcelo insuficiente na defesa da causa liberal.

 

Que saudade que eles têm do tempo da austeridade expansionista, do viver abaixo das nossas possibilidades, dos níveis recorde de desemprego e pobreza, tudo em nome da grande marcha para a regeneração. Era um tempo em que não havia corporações, nem grupos de pressão, nem clientelas. Portugal renascia revigorado sob a batuta do grande líder Passos Coelho inspirado pelo guru Schäuble. Depois, vieram as eleições e Portugal suicidou-se ao permitir que o líder de uma seita heterodoxa tomasse o poder, ouviu dizer Passos Coelho. E passou a repetir, mesmo sem saber se a informação tinha sido confirmada.

A PREVALÊNCIA DOS TESTÍCULOS NO CICLO NOTICIOSO

Julho 04, 2017

J.J. Faria Santos

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O título é para ser interpretado literalmente. Esta não é uma dissertação acerca da coragem e da integridade jornalística num qualquer contexto de franca hostilidade ou mesmo de cerceamento despudorado da liberdade de expressão. O que aqui se nota é mesmo a prevalência dos testículos no ciclo noticioso do Correio da Manhã (CM), do qual me proponho avançar com uma pequena amostra.

 

Em Maio do ano passado, o CM noticiava que uma senhora invisual, Angela Green, estivera detida durante 18 horas acusada de ter apertado os testículos a um polícia, chamado na sequência de distúrbios num bar no Reino Unido, deixando-os “com uma leve inflamação”. Afastemos do espírito a noção de que com a falta de um sentido os outros ficam mais aguçados (por exemplo, o tacto), e consideremos que a senhora negou as acusações e considerou o sucedido “traumatizante”.

 

No início de Abril do corrente ano, o destemido jornal noticiava que um formidável mestre de kung fu, de seu nome YE Wei (Yeah! Vai! Força!) bateu o seu próprio recorde de deslocação de viaturas com os testículos, ao puxar sete automóveis ligados por um corda, totalizando cerca de doze toneladas. Parece que o senhor alega que este feito “ajuda a aumentar a fertilidade”.

 

Lá mais para o final do mesmo mês, o jornalista Pedro Zagacho Gonçalves narrava a proeza original da vlogger Johanna Hines, que decidiu utilizar os testículos do namorado como “esponja de maquilhagem” para espalhar base na testa. O vídeo terá sido visto mais de 27 000 vezes e Johanna diz que muitas jovens se sentiram “inspiradas” com a atitude “divertida e confiante” dela. Enfim, a inspiração é muitas vezes a base de uma grande carreira.

 

A última semana de Junho de 2017 fica marcada por duas notícias trágicas e mesmo horripilantes. No dia 27, o Correio da Manhã noticiava que duas pessoas tinham sido condenados no Reino Unido a prisão perpétua por terem “cortado, cozinhado e obrigado outra a comer o seu próprio testículo”. Antes de ser selvaticamente torturada e morta, a vítima “foi forçada a manter relações sexuais com um cão”. Este último facto, porém, não fora o contexto de violência e de condicionamento da vontade, poderia até receber o beneplácito do Dr. Quintino Aires em nome da confraternização das espécies do reino animal.

 

Por fim, dois dias depois, o CM narrava o pungente caso do testículo que “explodiu”. Na sequência de uma discussão acerca de uma luta de galos (cockfight em inglês, isto está tudo ligado…), a senhora Anima Kharia, residente numa aldeia no norte da Índia, esmagou com as mãos os testículos do sogro, levando-o a esvair-se em sangue até à morte. O Correio da Manhã, citando o Hindustan Times, diz que na autópsia consta como uma das causas da morte o facto de “um dos testículos explodir”. O jornal indiano, na sua versão online, é bastante mais sóbrio na descrição dos eventos, quer no título quer no corpo da notícia. No título avança que a morte foi causada pelo aperto/esmagamento das “partes privadas”, acrescentando depois como causa provável da morte a “hemorragia interna causada pela ruptura do órgão”. Ruptura, para o CM, não é suficientemente impressivo. Romper é escasso. A ideia da explosão evoca detonação e /ou a “fragmentação estrondosa de um corpo”, e estará mais próxima do seu conceito de informação.

 

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