O que aconteceu aos banqueiros que quase conduziram Wall Street ao colapso em 2008 com consequências devastadoras para a economia mundial? William D. Cohan tentou sistematizar uma resposta para a Vanity Fair (The Wrecking Crew – Abril 2015). Jimmy Cayne perdeu cerca de um bilião de dólares quando o valor das suas acções do Bear Stearns caiu para um valor próximo dos 2 dólares, mas semanas mais tarde conseguiu realizar 61 milhões de dólares, à cotação de 10 dólares a acção, no âmbito da compra efectuada pelo JPMorgan. Stan O’Neal, ex-CEO do Merril Lynch, foi despedido com um pacote de indemnização a rondar os 161,5 milhões de dólares. Ken Lewis, do Bank of America, recebeu compensações de diversa ordem que ascenderam a 83 milhões.
Uns recusaram a abordagem do repórter. Foi o caso do ex-CEO do Lehman Brothers, Dick Fuld, que na estimativa de um advogado que trabalhou na empresa em matérias de regulação terá recebido remunerações, entre 2000 e 2007, no montante de 529,4 milhões de dólares. Já Gary Cohn, presidente do Goldman Sachs, lamenta que o banco se tenha transformado, como escreve Cohan, num exemplo de “comportamento pouco ético nos anos que se seguiram à crise”. Cohn diz que agora a empresa reflecte mais acerca da sua “marca” e da sua “reputação”.
Para Jamie Dimon, chairman e CEO do JPMorgan Chase, “o dano causado à reputação do bancos pela crise financeira demorará uma geração a reparar”. E chega ao ponto de censurar veementemente as compensações que os banqueiros que foram despedidos receberam, exemplificando que se o seu banco tivesse falido os seus responsáveis deviam devolver o dinheiro auferido, pelo menos, nos últimos cinco anos. Não sabemos se este desassombro nas declarações terá sido influenciado pelos mais de 35 milhões de dólares em multas e penalidades que o JPMorgan pagou desde Junho de 2011. Certo é que, no entretanto, Dimon viu o seu ordenado quase duplicar (para 20 milhões) e o valor das suas acções do banco ascender a 480 milhões de dólares.
O que é que aconteceu aos banqueiros? Como nota Graydon Carter em editorial na mesma Vanity Fair, “passaram sete anos desde que Wall Street fez ajoelhar a economia mundial” e nenhum foi preso.
Rana Foroohar (Time – edição de 6 de Abril) apelida de “miragem do mercado” a ideia de que a cotação da acção de uma empresa reflecte o seu valor. O facto é que, afirma ela, a cotação da acção é “uma distracção de curto prazo”, dado que “o verdadeiro valor é criado com o decorrer do tempo”. Esta fixação com a cotação das acções tem efeitos perniciosos, já que, preocupados com a reacção dos mercados e tendo em conta os seus próprios bónus (grande parte deles sob a forma de acções da própria empresa), os responsáveis apostam numa gestão para os resultados trimestrais em detrimento de gastos que induzam a inovação, mas com efeitos mais diferidos no tempo. Foroohar defende que muitas vezes as empresas aumentam as suas margens de lucro e vêem as suas acções serem valorizadas, não porque a economia está a crescer e o volume de negócios aumentou, mas sim porque optaram por cortar nos custos e no investimento em novas instalações, ou em pesquisa e desenvolvimento. E cita o professor de economia William Lazonick, quando ele afirma que “passámos de um mundo em que as empresas retinham e investiam os seus lucros para outro em que se despede o pessoal e se distribuem esses lucros”. Conclui taxativamente a colunista da Time: “Ninguém – nem os economistas, nem os CEO’s e nem os políticos – acha que isto é benéfico para o crescimento real da economia”. É caso para perguntar: deste consenso não nasce a premência de alterar procedimentos?
Como é que se comportaram as empresas do PSI-20 desde 2008? Segundo um artigo do Expresso (edição de 28/03/2015) os seus accionistas receberam mais de 13 mil milhões de euros. A EDP foi a campeã dos dividendos – cerca de 4,4 mil milhões, com a PT SGPS (3 mil milhões) e a Galp (1,4 mil milhões) nos restantes lugares do pódio. A distribuição ocorreu em anos que geraram lucros e tendo em conta o montante desses lucros, certo? Errado. Houve quem distribuísse lucros num ano em que teve prejuízos, da mesma forma que houve quem distribuísse quase o triplo do lucro obtido num dado exercício, socorrendo-se das reservas. Parece que, explicam os especialistas, não distribuir dividendos tem um impacto negativo. Comentou, incisivo e certeiro, Francisco Louça no seu blogue no Público: “Durante estes anos, o endividamento aumentou e o investimento caiu a pique. Mas as empresas usaram mais de metade dos rendimentos para pagar dividendos aos accionistas, mesmo quando tinham prejuízos. (…) Chama-se a isto viver acima das suas possibilidades. E é a história da burguesia portuguesa.”
Fossem os conselhos de administração destas empresas compostos por uma certa “raça de homens que gosta de pagar aquilo que deve” (desde que exista uma notificação, claro…) e o fluxo de dividendos teria sido significativamente inferior. Seria suficiente para redimir ou regenerar a burguesia portuguesa?