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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

HEARTBREAK HOTEL

Maio 31, 2012

J.J. Faria Santos

Os despojos no quarto de hotel incluíam restos de comida, uma garrafa de cerveja e uma outra de champanhe e ainda, na casa de banho, vestígios de uma substância de cor branca numa colher. A causa da morte foi o afogamento acidental na banheira, com o contributo adicional de factores como preexistentes problemas cardíacos e o consumo de cocaína. A água do banho tinha-lhe queimado o rosto, nódoas negras pontuavam-lhe a testa, o peito e o lábio superior e inúmeras cicatrizes marcavam-lhe o corpo. O septo nasal estava perfurado, pelo efeito de anos a fio de uso de cocaína. O teste toxicológico efectuado ao cadáver de Whitney Houston  acusou vestígios de Flexeril, Benadryl, Xanax e marijuana.

Dois artigos recentemente publicados - “Whitney’s Last Days – I Have Nothing ”(Newsweek, Maio 7, 2012) e “The Devils in the Diva” (Vanity Fair, Junho 2012)-  dão contributos importantes para evidenciar os factores que conduziram ao trágico desfecho. Mesmo com toda o seu historial problemático, misto de agressividade e vulgaridade, a Bobby Brown não pode ser assacada a responsabilidade pela iniciação de Whitney no consumo de droga. Quando muito, facilitou e estimulou o uso. Há todo um historial familiar de dependência, designadamente os irmãos, Gary e Michael, e, mesmo na fase inicial da carreira, ela já consumiria drogas leves. Aparentemente, as implicações do estrelato (pressão para manter o sucesso, interferências familiares, divergências artísticas motivadas pelo desconforto provocado pela incongruência entre a imagem pública de diva pop e a sua intenção de mergulhar mais nas raízes da música negra) levaram-na a procurar refúgio nas substâncias aditivas.

“O star system morreu, mas a estrela de cinema continua. A estrela mergulha na problemática e exalta-se na mitologia. A sua vida já não é solução mas busca ardente, já não é satisfação mas sede (…) Portanto, as estrelas já não são modelos culturais, guias ideais, mas, simultaneamente, imagens exaltadas, encarnações, símbolos de uma vagabundagem e de uma busca real”, escreveu Edgar Morin em “As Estrelas de Cinema”. O que buscaria Whitney? Talvez o difícil equilíbrio entre a integridade artística, o sucesso pessoal e a imortalidade no panteão da indústria musical, já para não falar naquele desejo comezinho de todas as vedetas que o comum dos mortais só com muita imaginação conseguirá assimilar: desfrutar do conforto do anonimato nas banais rotinas diárias.

Em 1998, Whitney Houston gravou Heartbreak Hotel, um tema onde se abordava a desventura sentimental e se denunciavam mentiras e infidelidades, com a participação vocal de Faith Evans e Kelly Price. No dia 11 de Fevereiro de 2012, no quarto 434, o Beverly Hilton foi o seu Heartbreak Hotel.

RELVAS DANINHAS (ALEGADAMENTE...)

Maio 24, 2012

J.J. Faria Santos

Segundo a Direcção do Público, durante um telefonema à editora de política deste diário, Miguel Relvas ameaçou fazer um blackout noticioso do Governo contra o jornal e divulgar detalhes da vida privada da jornalista Maria José Oliveira”. Desagradada com o comportamento do ministro dos Assuntos Parlamentares, que reputou de “inaceitável”, Bárbara Reis, directora do jornal, ligou para Miguel Relvas, que terá pedido desculpa. O ministro, por seu turno, enviou uma série de documentação para a ERC, organismo que irá analisar o caso, e terá dito que foi pressionado a dar uma resposta às perguntas suscitadas pela jornalista em pouco mais de meia hora.

Não é a primeira vez que a suspeita de pressões e interferências recai sobre o ministro que tutela a comunicação social. A confirmar-se, a atitude do ministro não se enquadra na legítima defesa dos seus pontos de vista, antes consubstancia um abuso de poder, cuja maior gravidade reside na tentativa de condicionar o exercício profissional da jornalista mediante a utilização de dados da sua vida privada. O que levantaria a questão de como ele terá obtido esses dados: conhecimento pessoal? Rumores da sociedade lisboeta? Porventura, constaria a jornalista do rol de políticos e figuras públicas com ficha nos smartphones de Jorge Silva Carvalho e por qualquer meio informal chegaram ao seu conhecimento os detalhes da vida privada dela constantes desse registo?

Se for destituída de fundamento, a acusação envolverá em descrédito a direcção do Público; a ser verdade, esta alegada ameaça de Miguel Relvas, além de gravíssima, é repugnante e asquerosa, e reduz o ministro a um sucedâneo de um alcoviteiro chantagista.

 

NÃO SILENCIEM OS PIANOS

Maio 17, 2012

J.J. Faria Santos

 Imagem: Freefoto.com

 

Os amigos, os próximos, quem com ele privou, unanimemente reconheceram o seu talento, a sua sensibilidade poética, o seu sentido de humor, a sua bondade. Se na ficção preferimos os vilões, suas maquinações e estratagemas retorcidos, na vida real a evidência reiterada da bondade ressuscita em nós a abalada crença na decência da natureza humana. Os restantes, os que acediam a Bernardo Sassetti através dos suportes públicos de expressão da sua arte, partilham da estupefacção incrédula, do choque que convoca o espanto como reacção ao seu falecimento.

A morte, sendo certa, tem sempre em nós este efeito. Nem mesmo quando se apresenta iminente nos apanha de sobreaviso e quando é inesperada parece-nos sempre uma aberração estatística, uma malformação das probabilidades. E, acima de tudo, a mais brutal das injustiças. “Stop all the clocks, cut off the telephone / Prevent the dog from barking with a juicy bone / Silence the pianos and with muffled drum / Bring out the coffin, let the mourners come”, assim reza a primeira quadra do célebre poema Funeral Blues, de W.H. Auden.  Os relógios não terão parado e os telefones não terão sido desligados, antes pelo contrário. Muitos toques de telemóvel, numa polifonia caótica de notas e ritmos, terão soado para requerer a partilha do aturdimento da perda. Quanto aos pianos, que os dedos bailem colados às teclas, em ritmo vertiginoso ou delicados no afago, celebrando o júbilo ou embalando a melancolia, porque a música, a música dele, a música de todos nós, não pode parar. 

 

 

 

 

OS INTOCÁVEIS

Maio 12, 2012

J.J. Faria Santos

Imagem: Freefoto.com

 

Impressionado com o rápido desenlace do caso Madoff, o comum dos mortais pode ter a tentação de encontrar no sistema judicial americano um exemplo notável de severa punição das prevaricações do sistema financeiro. Por contraste, em Portugal, apesar de o caso BPN contar com dezasseis responsáveis no banco dos réus, a sensação é de desresponsabilização e impunidade.  Uma recente investigação do Diário de Notícias contabilizava em 3,55 mil milhões de euros o valor já gasto pelo Estado no BPN e estimava que a factura poderia chegar aos 8,3 mil milhões. Os contribuintes, aturdidos, interrogam-se por que razão terão se ser eles a financiar a irresponsabilidade, a ilegalidade e os desvios (estes sim, colossais!) às regras da racionalidade económica e da boa gestão.

Um excelente artigo de Peter J. Boyer e Peter Schweizer, na Newsweek, vem desmentir a ideia da eficácia do sistema judicial americano em relação aos desmandos do sector financeiro. “(…) quase quatro anos depois do desastre, não existe uma única acusação criminal instaurada pelo governo federal  contra qualquer executivo de topo das instituições financeiras de elite”, escrevem os autores. Mesmo quando nos deixamos impressionar pelo  valor da multa imposta pela Securities and Exchange Commission (equivalente à nossa CMVM) à Goldman Sachs  em 2010, 550 milhões de dólares, o valor deixa de parecer tão significativo quando percebemos que representa cerca de 4% dos bónus atribuídos aos executivos da empresa em 2007.

Eric Holder, o responsável máximo pelo Justiça americana, afirmou em Fevereiro passado que o comportamento que contribuíra para a crise financeira, não obstante ser “moralmente repreensível, poderia não ser necessariamente criminoso”. Os autores do artigo, não pretendendo estabelecer um nexo causal entre a benevolência da justiça e o financiamento da actividade política, não deixam de referir que os executivos da Goldman Sachs contribuíram com cerca de um milhão de dólares para a campanha de Obama em 2008, tendo o sector financeiro globalmente contribuído com 16 milhões. Por outro lado, os autores consideram que a nomeação de Eric Holder para a Justiça, um ex-sócio de uma sociedade de advogados que tem como clientes, entre outros, Goldman Sachs, JPMorgan Chase  e Citigroup, pode ter “ enviado um sinal para a comunidade financeira”. O que deveria prevalecer nesta situação? Privilegiar a experiência e o conhecimento da área financeira ou eliminar o risco de conflito de interesses?

O que justificará então, em última análise, esta permissividade? Os autores, no lead da notícia, avançam com uma explicação irónica (que joga com a expressão “too big to fail”): os bancos tal como são demasiado grandes para falir, também o são para ser aprisionados (“too big to jail”).

 

PINGO DOCE, IPSS

Maio 06, 2012

J.J. Faria Santos

Alexandre Soares dos Santos é sócio da Associação dos Empresários Cristãos e apoia organizações meritórias na acção social, como o Banco Alimentar ou a Cáritas. Estimativas conservadoras em relação ao impacto da campanha dos 50% nas contas do Pingo Doce apontam para um custo entre os 13 e os 17 milhões de euros. O objectivo da campanha foi “reforçar as oportunidades de preço para os consumidores portugueses e, assim, apoiá-los na gestão de um orçamento familiar cada vez mais pressionado”, disse uma fonte da empresa ao Público.

Tratou-se, inequivocamente, de uma campanha de solidariedade. E daquelas, na nobre tradição da ainda mais nobre direita conservadora, que rejeitam a gratuitidade porque sabem que ela fomenta o acomodamento e a preguiça. É necessário esforço, determinação, perseverança, nem que seja para fintar os destroços no chão da loja, acotovelar o vizinho ou ultrapassá-lo na corrida para a prateleira, ameaçar o gerente com uma navalha ou aguentar estoicamente as horas necessárias para adquirir os produtos e efectuar o pagamento.

Tendo em mente que se tratou de uma campanha de solidariedade, como não desvalorizar os atropelos à concorrência, o planeamento algo deficiente, a concretização atabalhoada? E se decidir repercutir parte dos custos nos fornecedores, tornando-os parceiros activos desta iniciativa da sociedade civil, como não admirar a generosidade e o desprendimento com que se partilha o mérito?

Pode o Pingo Doce ainda estar longe dos 25% de quota de mercado do Continente, e podem as vendas apresentar uma quebra no primeiro trimestre deste ano, que nenhuma relevância adquirem estes factos em comparação com a sua inigualável responsabilidade social. Não desesperem, portugueses! Quando menos contarem, o Pingo Doce voltará a erguer-vos da prostração desesperada com mais umas “oportunidades de preço”, para mais um épico e vibrante festival de consumo. Quem sabe se não será já no próximo feriado (o “ameaçado” Corpo de Deus). A Igreja providencia o alimento espiritual; o Pingo Doce as vitualhas – um verdadeiro dois em um.

JOGO DE LÁGRIMAS

Maio 05, 2012

J.J. Faria Santos

Há muito para admirar num jogo de futebol. Pode ser a particular mistura do profissional com o lúdico que parece embeber as exibições do Barcelona: automatismos e criatividade, estratégia de grupo e fulgor individual; ou a feroz resistência do Chelsea, recorrendo a uma postura de underdog, defendendo com afinco, apostando na força física e na velocidade das transições para criar oportunidades e contrariar a superioridade técnico-táctica do oponente.

No campeonato nacional, era impossível não nos entusiasmarmos, por vezes, com as cavalgadas velozes do Benfica, em vagas sucessivas, comprimindo o adversário; ou não sentir uma ponta de exasperação quando, mesmo sem estar em vantagem, o F.C. Porto se entregava a uma estranha apatia competitiva, desenvolvendo o seu jogo com uma lentidão sonífera. Mesmo que depois, um lance de génio de Hulk ou de James Rodriguez redimissem toda a equipa e todo um desafio.

Os especialistas dividem-se, o que é natural numa actividade que pretende ser, idealmente e em simultâneo, um espectáculo e uma competição. Dosear o esforço é decisivo e há uma linha muito esbatida entre o empenho intransigente e o esforço inglório.

No final do Rio Ave-Benfica da passada semana, uma criança chorava desalmadamente, tentando suster as lágrimas com a passagem pelos olhos do cachecol do clube lisboeta. A seu lado, um familiar procurava consolá-la. Dizendo-lhe, por certo, que o futuro lhe reservaria inúmeras oportunidades para o júbilo. Não há, evidentemente, consolo do porvir que apague o desalento do presente. Restam as lições das horas amargas: lidar com a frustração é um mecanismo de crescimento. “Levantar a cabeça e pensar no próximo jogo” não é uma estratégia de negação, ou de optimismo serôdio de dirigente inchado de importância pelo seu cargo na “instituição” – é uma condição de sobrevivência: no futebol como na vida. 

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